terça-feira, 24 de novembro de 2009

Consumo de droga é precoce e mais frequente, diz pesquisador

Na semana em que o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, admitiu o fracasso das estratégias de combate ao consumo de drogas no Brasil, uma pesquisa do Centro de Referência em Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod), órgão ligado à secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, indicou a ineficiência das políticas de prevenção, principalmente aquelas voltadas ao público jovem.

O levantamento realizado entre 2007 e 2009 com 112 adolescentes em tratamento aponta que 40% deles começaram a usar substâncias lícitas e ilícitas entre 7 e 11 anos. E, para o autor do estudo, o psicólogo Wagner Abril Souto, o mais grave: a maioria teve o primeiro contato dentro de casa, sob o olhar despreocupado da família.

Coordenador do Programa de Atenção ao Adolescente do Cratod desde a sua fundação, há sete anos, Souto previa um resultado que revelasse uma relação cada vez mais precoce com as drogas, mas surpreendeu-se com o contato ainda na infância - antes dos 12 anos. "Obviamente, o número espanta. Porém, por trás disso, existe uma situação ainda mais preocupante. Além de iniciarem cedo, esses adolescentes têm tornado o consumo cada vez mais frequente", afirma o psicólogo.

Com a experiência de ter acompanhado a passagem de 650 adolescentes no centro e a recuperação de cerca de 30% deles, Souto acredita em dois fatores como determinante para a aproximação entre público infantil e as drogas: a facilidade de acesso às substâncias e o contato no ambiente familiar. "Muitas vezes, o consumo é incentivado entre familiares, principalmente de cigarro e bebidas. No caso das drogas ilícitas, há cada vez mais pontos de vendas. A distribuição está mais aperfeiçoada e, estrategicamente, mais perto do adolescente", afirma.

Em entrevista ao Terra, o psicólogo responsabiliza o Estado, a escola e principalmente a família pelo consumo precoce de drogas e a concorda com a declaração do ministro Temporão de que as políticas públicas têm fracassado. Ele ainda defende um avanço nas ações preventivas voltadas especificamente ao público jovem. Confira abaixo trechos da entrevista.

O resultado da pesquisa mostra que o álcool e o tabaco ainda servem como porta de entrada neste universo, mas as substâncias ilícitas surgem muito cedo para esse público. Isso surpreende?
Sim, surpreende, até porque a nossa intenção não era se ater tanto aos índices, e sim levantar que fatores contribuem para essa aproximação precoce, identificar a quais elementos de risco esses adolescentes estão sujeitos. Neste contexto, constatamos que 40% deles (os adolescentes em tratamento) têm histórico de alcoolismo entre os pais. Ou seja, fazem uso abusivo ou tem dependência de álcool dentro de casa. A partir do momento em que se constata que eles já estão expostos a esse consumo, os índices começam a ser explicados e nos dão a resposta para repensarmos nas nossas políticas.

Com base nessa constatação, é possível afirmar que a questão familiar é o principal fator responsável pelo consumo antes dos 11 anos?
Acredito em um conjunto de situações. A disponibilidade dessas substâncias, por exemplo, é um dos maiores fatores de risco. Não há dificuldade de acesso. O adolescente - e mesmo a criança - pode ir a um bar e comprar a bebida, o cigarro. Dificilmente ele sairá do local com as mãos vazias. Mesmo no caso das drogas ilícitas, a disponibilidade é cada vez mais aprimorada, com mais pontos de vendas e distribuição eficaz. No âmbito familiar, é muito comum que pais ou outros familiares peçam para que esses adolescentes comprem cigarros ou bebidas. A partir daí, já se começa a inserção nesta cultura de que o uso dessas substâncias é um valor positivo. Muito vezes, na própria família, o consumo é incentivado.

Esse acesso facilitado demonstra que as políticas de combate ao tráfico estão atrasadas se comparadas à agilidade e à organização do tráfico, não?
Verdade. Atualmente, existem pontos de vendas em todos os lugares. Antigamente, eles eram mais restritos. O fato é que o tráfico melhorou a distribuição, aumentou a oferta e, consequentemente, há mais consumidores. Essa lógica pode estar comprovada na nossa pesquisa. Os adolescentes começam a usar álcool e tabaco dos sete aos 11 anos, mas drogas mais fortes também. Segundo o levantamento, 16% dos entrevistados fizeram uso de maconha aos 11 anos. Ou seja, um garoto de 11 anos tem facilidade em comprar maconha. 7% dos adolescentes já consumiram ecstasy aos 11 anos, e 10% conseguiram inalantes aos 10 anos. Isso mostra o quanto eles têm facilidade de obter essas drogas, seja com colegas, amigos, familiares ou direto nos pontos de venda.

A pesquisa aponta crianças de 11 anos consumindo maconha, ecstasy e inalantes. Nesses casos, é possível responsabilizar familiares, já que uma criança dessa idade não está consciente do quanto o consumo é nocivo?
Realmente uma criança não tem essa noção. Nem um adolescente de 15 anos é consciente, embora acredite que tenha maturidade para tomar as decisões. Mas não podemos responsabilizar somente os pais pelas atitudes dos filhos. Mesmo assim, não podemos esquecer que nós ensinamos pelo exemplo. Aquela família em que o álcool está muito presente, com o pai chegando cansado do trabalho e recorrendo à bebida ou que pais e irmãos abusam da bebida na festa, ensina esse comportamento a crianças e adolescentes. E, para pertencer o mundo dos adultos, eles (crianças e adolescentes) imitam o comportamento.

Uma criança de 10 anos não possui renda. No caso daquelas que já consomem drogas ilícitas nesta faixa etária, como adquirem as substâncias?
Conforme nosso levantamento, as crianças e adolescentes estão muito sujeitos aos atrativos dos próprios traficantes. Em muitos casos, ele (o traficante) oferece gratuitamente até tornar o consumidor viciado, fazer com que ele se sujeite a qualquer situação para ter a droga. Além disso, dependendo da classe econômica, muitos usam mesadas. Aliás, é importante frisar que recebemos jovens de todas as classes. As pessoas costumam achar que as classes menos favorecidas tendem a ser maioria em centros de recuperação voltados a adolescentes, mas não é verdade. Independente da situação econômica, eles (adolescentes e crianças) têm seus artifícios para adquirir drogas.

O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, admitiu nesta semana o que chamou de "fracasso nas políticas de combate". O senhor concorda com ele? Qual seria a solução?
O ministro tem razão quando diz que precisamos rever a nossa cultura. Enquanto acharmos que é perfeitamente cabível intercalar a nossa programação de TV com propagandas de cerveja em que se exalta a beleza, o sucesso profissional, como se fazia antigamente com o cigarro, continuaremos errados. Há um grande incentivo da mídia, obviamente ligada à indústria por interesses econômicos. Fala-se em beber com moderação, mas se mostra a figura de sucesso do momento, o cantor do momento, o jogador artilheiro fazendo a propaganda. Então, fica um comportamento meio 'digo uma coisa, mas mostro outra'. E o adolescente está em um período em que busca modelos de identificação.

Essa falta de discussão em todas as esperas a que o senhor se refere não frustra entidades como o Cratod?
A verdade é que a sensação de frustração é muito maior, já que sequer conseguimos ajudar a todos os que nos procuram. Aliás, nenhuma entidade no mundo consegue ajudar a todos que as procuram. O que estamos tentando é constituir parceiros. A polícia faz a parte dela na repressão, a saúde no tratamento, a escola na educação e a família precisa se inserir aí. Se todo mundo fizer a sua parte, o sucesso é mais fácil. Especialmente nesta questão dos modelos, da influência de campanhas na mídia, a família pode entrar com mais força. Ela precisa ser o modelo, com orientações claras sobre o uso de substâncias que podem trazer prejuízos aos adolescentes. A família que precisa fazer um monitoramento adequado desse adolescente. Precisa saber com quem ele anda, aonde vai, de que maneira chega e, principalmente, abrir um espaço de diálogo. Isso é o mais importante.

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