sexta-feira, 27 de março de 2015

DOMINGO DE RAMOS

Esta Celebração que abre a Grande Semana da nossa fé, a Semana santíssima, que culminará com a Solenidade da Páscoa, Domingo próximo.

Já fizemos memória da Entrada do Senhor Jesus em Jerusalém. Ele é o Filho de Davi, o Messias esperado por Israel, que vem tomar posse de sua Cidade Santa. Mas, que surpresa! É um Messias humilde, que entra não a cavalo, mas num humilde burrico, sinal de serviço e pequenez! 

Seu serviço será dar a vida pela multidão. Ele é Rei, mas rei coroado de espinhos e não de humana vanglória. Seguir o Senhor nessa procissão com ramos é tê-lo reconhecido como nosso rei, rei pobre e humilde. Tê-lo seguido é nos dispor a segui-lo nas pobrezas e humildade da vida, dispondo-nos a participar de sua paixão e cruz para ter parte na glória de sua ressurreição.

Nesta manhã em minha meditação, alguns pensamentos me surgiram:

Primeiro: O meio que Deus escolheu para nos salvar não foi o que é grandiosidade, mas pela humilde obediência. 

O Filho buscou humildemente, na obediência de um discípulo, a vontade do Pai – e aí encontrou força e consolo, encontrou a certeza de sua vida. São Paulo, na segunda leitura de hoje, confirma isso com palavras não menos impressionantes: “Jesus Cristo, existindo na condição divina, esvaziou-se de si mesmo, humilhou-se, fazendo-se obediente até a morte, e morte de cruz”. 

Vivemos num mundo que nos tenta a sermos os donos da verdade, desprezando os preceitos do Senhor Deus e seus planos para nós, aprendamos a humilde obediência de Cristo Jesus, entremos em comunhão com o Cristo obediente ao Pai até a morte. Só então seremos livres realmente, somente então viveremos de verdade!

Um segundo pensamento: Existem ao menos três modos de nos colocar diante do Cristo nosso Senhor. Dois modos inadequados, que deveremos evitar, e um modo correto ao que somos chamados a viver. Primeiramente, o modo dos discípulos, tão vergonhoso: “Então todos o abandonaram e figuram”. Quantos, nos apertos da vida, o abandonam: no vício, no comodismo, na busca de crendices e seitas, no fascínio por ideologias, idéias e filosofias opostas à nossa fé! Sempre o mais fácil é fugir. Depois, o modo de é “seguiu Jesus de longe”. Quem pensa poder ser discípulo pela metade; quem se ilude, pensando seguir o Senhor sem combater seus vícios e pecados; quem imagina poder servir a Deus e ao dinheiro, e a luxuria, seguir ao Senhor e aos costumes e modos e pensamentos do mundo, acabarão como Pedro: negando conhecer Jesus! 

Finalmente, uma atitude bela e digna de um verdadeiro discípulo do Senhor: que o sigam de perto até a cruz, como o Discípulo Amado, ao lado de tua Santíssima Mãe! Fiquemos com estes santos pensamentos, preparando-nos durante toda esta Semana para o Tríduo Pascal, que terá seu cume na Santa Vigília da Ressurreição! Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo e vos bendizemos, porque pela vossa santa cruz remistes o mundo.

quarta-feira, 25 de março de 2015

DESCONFIANÇA

"Parece que o discurso da família vai se tornando vazio, sabe? É como se fosse uma coisa que bate, mas não entra mais. Então se fecha, e nós começamos a desconfiar cada vez mais." (Maria - irmã) 

O codependente vive uma intensa desconfiança de várias coisas, dentre elas a de que está sendo roubado e enganado. Pode haver chantagens emocionais para o dependente químico conseguir dinheiro e bens materiais para serem trocados por drogas. O codependente desconfia de que seu componente familiar possa estar mentindo, começando, assim, as inúmeras interrogações, surgindo um grande sentimento de vazio e impotência de que tudo que ele está fazendo não está tendo o resultado esperado. 

O grupo de apoio/suporte revelou, por meio de suas produções e verbalizações, que essa desconfiança não é somente do codependente para com o dependente químico, mas do codependente para com ele próprio. Esse clima de desconfiança ocasiona incertezas no familiar até mesmo em relação aos próprios sentimentos ou ao conhecimento de si mesmo, e ele passa a não confiar nas suas decisões e se sente inseguro quando tem de tomar alguma atitude. 

Essa constante desconfiança produz um sentimento de vazio interior que pode resultar na perda, dentre outras, da fé e da confiança em um ser superior, tão presente nos membros desse grupo. Essa forma de expressão da codependência resultou, inúmeras vezes, na utilização de fatores curativos, como instilação de esperança e altruísmo pelos participantes durante o processo grupal. 

E quando o familiar descobre que algo de que ele desconfiava, em relação ao usuário, se concretizou, ele passa a cobrar mais ainda, fazendo inúmeras pressões emocionais e ameaças. Começam, então, a surgir, da parte do dependente químico, promessas de mudança, quase sempre não cumpridas. Não podemos nos esquecer de citar que, com isso, a família, passa a viver todo esse clima de desconfiança gerado, principalmente, pela relação de ambos: familiar com atitude de codependência e dependente químico.

MUDANÇA DE ESTILO DE VIDA

"Estou mais tranquila porque ontem ele já não bebeu. Eu pude dormir a noite toda e hoje de manhã eu já estou mais recuperada." (Nara - esposa)

A codependência é expressa, também, por meio de outras características como mudança no estilo de vida e o consequente aparecimento de respostas físicas e emocionais, destacando-se: cefaleias, alteração de pressão arterial, alteração nos valores glicêmicos, insônia, alterações de sono, ansiedade, nervosismo, choro fácil, cansaço físico e mental, distúrbios alimentares. Foram relatados, também, comportamento letárgico, deprimido e pensamento suicida, notadamente em alguns participantes no início das atividades grupais.

Os sintomas ou respostas físicas e emocionais identificados interferem na qualidade de vida do familiar e alteram suas condições de saúde, levando-o a buscar ajuda médica e a consequente medicação com uso indiscriminado de ansiolíticos e antidepressivos, provocando, muitas vezes, mais uma dependência química.

O codependente somatiza sua dor emocional traduzindo-a em queixas e respostas somatoformes. Os sintomas e doenças psicossomáticas, na visão psicanalítica, são achados que estabelecem correlações com ansiedade, conflito e defesas.

Com suporte nessa afirmação, podemos dizer que os sentimentos experimentados pelo codependente, muitas vezes não expressos adequadamente, têm sua expressividade em sintomas físicos e/ou emocionais, como observado nos participantes do grupo estudado.

Em sua grande preocupação com o outro e na impotência para efetivamente ajudá-lo, o codependente tenta formas aparentemente inadequadas de se comunicar com o dependente químico, seja tentando controlar e impor sua vontade e verdade, seja simplesmente adoecendo, e assim as relações familiares vão cada vez mais se enfraquecendo.

Observamos nos participantes reações diversas de adaptações físicas, comportamentais e emocionais ocorridas em razão do estresse causado pela condição de dependência química do familiar em tratamento, e o estresse desencadeia reações de adaptação físico-bioquímicas e quanto ao comportamento do organismo. Essas reações vão desde adaptações para um estado de alerta (comportamento do organismo) e alterações adaptativas do tônus cardiovascular, respiração, glicose e alimentação do sistema nervoso central e outros locais do corpo estressado. No codependente, essas alterações adaptativas podem levá-lo a um estado de alerta ou com sinais orgânicos mais acentuados por todo o corpo estressado.

A mudança no estilo de vida também foi observada no comportamento dos participantes do grupo quando, por inúmeras vezes, verbalizam a alteração no comportamento pessoal, como supervisionar/vigiar o dependente químico, passando a evitar deixá-lo sozinho em grande parte do dia. Dizemos parte dos passos porque alguns dependentes químicos, conscientes ou não de sua necessidade de apoio e tratamento, não querem ou não conseguem deixar de consumir as drogas e ficam arranjando sempre uma forma de fugir, esconder-se e buscar situações que lhe permitam o uso, burlando a vigilância e o controle familiar.

Esse comportamento do familiar e do usuário de drogas enseja uma condição de instabilidade emocional no codependente e a eclosão de vários sentimentos, normalmente negativos e prejudiciais a si e ao outro, destacando-se a ansiedade. A ansiedade caracteriza-se por uma vaga sensação de que algo desagradável pode acontecer, decorrendo de uma situação conflituosa que pode estar total ou parcialmente inconsciente.

Tais conflitos podem ocorrer entre sujeito e sociedade ou mesmo entre partes da personalidade, como conflitos internos, em geral inconscientes, e gerados ao longo do desenvolvimento pela assimilação das experiências de vida. Esses são nossos conflitos internos e podemos ressaltar que os externos são mais patogênicos quanto mais intensificam os conflitos do nosso mundo interno. Dessa forma, situações emocionalmente significativas e não resolvidas de um mundo internalizado podem ser estimuladas por situações atuais.

Ansiedade, insegurança, comportamento obsessivo-compulsivo e medo podem estar entre os fatores influentes na reincidência de sintomas que caracterizam a mudança no estilo de vida experimentado pelo codependente. Essas mudanças no estilo de vida demonstram os últimos estádios da codependência, em que o indivíduo pode se isolar e/ou se afastar do dependente químico, negligenciando-o, independentemente do parentesco, ou eximindo-se de outras responsabilidades, perdendo, também, a esperança na recuperação ou na possibilidade de alterar as relações. Em resposta a isso, pode começar a planejar o afastamento do relacionamento ao qual o codependente se sente aprisionado.

Com relação a planejar o afastamento da relação, identificamos, nos discursos dos participantes, a sensação de cansaço por se encontrarem naquela situação de vida, sendo acompanhada do sentimento de perda de esperanças relacionado à dependência química:

"Então, hoje eu penso assim: hoje eu estou me preparando até para que realmente se acontecer alguma coisa com o meu filho, ele escolheu. Não fui eu. Ele escolheu! Eu coloco tudo isso na minha cabeça: eu não sou culpada pelo que acontecer com ele e eu quero viver bem, continuar dormindo. Ser firme com ele ao ponto de mandá-lo escolher a vida que ele quer levar. Agora eu não sei como vou fazer isso porque, infelizmente, ainda está assim muito confuso na minha cabeça." (Sandra - mãe)

CUIDADO OU CONTROLE?

"A pessoa tem que ter cuidado 24 horas. É só o que eu faço. Cuido do meu filho 24 horas sem parar, só tenho folga no sábado, quando ele vai para a casa do pai dele". (Adriana - mãe) 


Ser codependente é ser alguém que ama e cuida exageradamente, comportamento que pode ter sido aprendido ainda quando criança, ou mais tarde, na vida adulta, com a interpretação de alguns fatores culturais. Amar e cuidar excessivamente pode ter sido fruto de uma necessidade de alguém se proteger ou satisfazer as próprias necessidades, traduzindo-se em uma forma de sobreviver emocional, mental e fisicamente.

Mesmo na atualidade, ainda é comum encontrarmos mulheres que foram ensinadas que cuidar do outro é uma qualidade feminina desejável. As mulheres, mais do que os homens, são treinadas para atender os outros e focam sua energia na capacidade de cuidar. 

Essa tendência de a mulher cuidar dos familiares ficou evidente no grupo quando 91% dos participantes eram mulheres. Destacamos, entretanto, que tanto a mulher quanto o homem sofrem com a codependência, pois esse cuidar do familiar ao usuário de drogas torna-se uma necessidade imperativa, e não uma escolha. O cuidar pode traduzir-se em "uma forma de controle, de si e do outro". 

O cuidado/controle foi observado no grupo de familiares dos usuários de drogas como característica marcante em todos os participantes - tanto o cuidado excessivo com o outro como a omissão do cuidado para consigo. A expressão do cuidar excessivo manifestou-se por meio de alguns comportamentos observados: preocupação permanente com o cuidar e se relacionar com o usuário; observação rigorosa de todos os passos, comportamentos e atitudes; buscar soluções para o problema, oferecendo sugestões; tendência a antecipar as necessidades da outra pessoa; dificuldade de dizer não ao usuário; fazer coisas que realmente não gostaria de fazer; realizar coisas que a outra pessoa é capaz de realizar por si mesma; procurar agradar aos outros, principalmente o usuário de drogas, em vez de a si mesmo. 

O cuidado excessivo também está sendo expresso quando o familiar, por inúmeras vezes, considera-se e sente-se responsável pelos sentimentos, pensamentos, ações, escolhas, desejos, necessidades, bem-estar e falta de bem-estar e, inclusive, pelo destino do dependente químico. Essas características ficaram muito evidentes no grupo. 

Observamos, também, nos depoimentos e expressões de sentimentos dos participantes, que eles se achavam seguros quando se colocavam à disposição para ajudar ou fazer algo pelo seu familiar dependente químico. Essa, contudo, foi uma das características que foi desaparecendo em alguns participantes, à medida que o grupo evoluía. 

O grupo revelou que cuidar excessivamente e/ou controlar o dependente químico desenvolve uma sensação no familiar de que o drogadito o está levando à loucura, deixando-o confuso e deprimido. Esses sentimentos parecem contribuir para a baixa autoestima, pois o familiar codependente não entende por que ele faz e cuida tanto e acaba não tendo o resultado esperado, como podemos observar nos discursos: 

"Vou acabar ficando louca. De repente, tem horas que dá vontade de eu sair correndo feito louca; fico tão desesperada..., e eu não faço isso porque eu tenho vergonha, sabe? Ainda bem que tem aquela coisa que me impede. Puxo meus cabelos! É uma loucura! O menino me obriga a dar dinheiro... É aquela loucura! E eu acabo fazendo tudo o que ele quer. Cuido dele tão bem, faço tudo por ele para que ele saia dessa, mas não tem jeito... Na realidade, o que aconteceu foi que eu não tive controle sob meu próprio filho, soltei o menino. É uma coisa horrorosa! Mas o que eu não admito mesmo é porque eu faço tanto por ele, cuido tão bem dele, e ele não agradece. Diz que eu faço é sufocar ele. Pode?" (Flávia - mãe) 

A codependência é apenas uma maneira de tentar satisfazer necessidades que não se consegue realizar, fazendo as coisas erradas pelas razões certas.

Sobre o cuidado, podemos dizer do homem que cuida que "seu bem nunca é inteiramente bom. Seu mal jamais totalmente mau. Mesclam-se bem e mal, diabólico e simbólico, insensatez e sabedoria, cuidado essencial e descuido fatal... Devemos exercer a compaixão para com nós mesmos".

O cuidado essencial ao ser humano deve ser dispensado de forma equilibrada e natural, pois, quando em excesso, se transforma em obsessão, tornando-se doentio e prejudicial a ambos - dependente e codependente. Do mesmo modo, a carência do cuidado origina o descuido e o abandono. A busca do equilíbrio depende de vários fatores, e, muitas vezes, as pessoas envolvidas com a problemática de um ente querido não sabem definir a condição mais propícia ou ideal. No grupo, evidenciamos o quanto a atividade grupal favoreceu a percepção e a busca do equilíbrio, rompendo ou mesmo tornando consciente o comportamento codependente. 

A alternativa terapêutica de terapia grupal breve com os familiares de adictos parece ser eficaz no sentido de adequar e orientar condutas, contribuindo para melhorar as relações e a organização do contexto familiar em dependência química. Constitui uma excelente forma de suporte para essa clientela.

O grupo revelou o cuidado, ainda, em várias situações do cotidiano das relações familiares mediante comportamentos, atitudes e ações, tais como: cuidado com a administração de medicamentos, alimentação e preocupação com o bem-estar físico e mental; acompanhar o dependente químico para quase todos os locais, vigiá-lo e cuidar dele para que não entre em contato com a droga ou sofra agressões na rua, principalmente de pessoas envolvidas com o tráfico de drogas.

A CULPA

"Aqui no grupo a gente diz assim: 'Não, você não tem culpa!' Mas a gente tem um pouco de culpa, sim!" (Ana - mãe) 

O sentimento de culpa apreendido das falas dos familiares se faz presente em vários momentos. Chamou-nos a atenção, particularmente, o depoimento de uma das participantes do grupo durante a entrevista individual, quando expressou seu desagrado em relação à condição de dependência química de seu filho, exprimindo arrepender-se de tê-lo trazido ao mundo. Diz o seguinte: 

"Eu me sinto desequilibrada, culpada e arrependida de ter tido ele..." (Flávia - mãe) 

Nesse depoimento, encontra-se evidente um dos mecanismos de defesa do ego identificados por Freud, os quais foram e continuam sendo estudados para descrever a luta do ego contra ideias e afetos dolorosos e insuportáveis. 

Por ocasião deste estudo, os sentimentos de culpa e arrependimento descritos pela participante foram denominados de negação, um mecanismo de defesa bastante utilizado pelo dependente químico e pelo codependente. Essa negação refere-se a uma parte da realidade externa desagradável ou indesejável, pela fantasia de satisfação de desejos ou pelo comportamento. O codependente nega seu desejo, anulando parcialmente as consequências dolorosas de lidar com este. 

Em família, na vivência cotidiana do problema da dependência de drogas, é comum as pessoas não falarem sobre esse assunto, não manifestarem o que pensam e o que sentem a respeito; passa a imperar a regra do não falar sobre. Outros focos de atenção começam a surgir como estratégia de negação ao problema da droga. Problemas outros ganham superênfase, e a droga ganha subênfase. Podemos dizer que a família acaba se tornando mantenedora do problema. 

Geralmente, as famílias começam a se preocupar com o uso da droga a partir do momento em que sintomas físicos e emocionais são manifestados pelos seus membros. Até então, o que se observa na família é uma ilusão de controle sobre o problema. A culpa é um dos sentimentos mais perceptíveis na condição de codependência do familiar, manifestando-se em momentos como o início do consumo de droga de seu ente querido e a falta de imposição de limites. Observamos, também, que, em virtude desses sentimentos, o familiar assume uma atitude obsessiva para cuidar, preocupando-se e controlando excessivamente o dependente químico. Nesse momento, entra em cena uma das principais características da codependência, que é o excesso de atenção ao outro, o qual, muitas vezes, o faz esquecer-se de si próprio. 

Codependente é aquela pessoa que permitiu a si mesma ser afetada por outra e por seus problemas e que perdeu o amor próprio, a capacidade de se afirmar e de cuidar de si mesma. 

Mesmo amando, preocupando-se, cuidando e controlando excessivamente, o codependente carrega um conflito, muitas vezes inconsciente, sentindo-se culpado por algum sentimento negativo que possa sentir, como raiva, desconforto pela dependência psicoemocional ou financeira. Essa condição emocional conflituosa pode favorecer a diminuição da autoestima, do autocuidado e do interesse sobre si próprio. A autoestima do codependente é regulada pelo que consegue agradar ou não ao outro. 

Como o codependente tende a assumir toda a responsabilidade para com o dependente químico, ele passa, também, a ser a principal referência para os outros integrantes da família quando o assunto envolve a dependência química daquele membro usuário. Dessa forma, passa a receber cobranças dos outros e de si próprio. As cobranças são referentes aos problemas causados pelo uso de drogas e, principalmente, pelas inúmeras tentativas, muitas vezes frustradas, de busca de solução. 

A vivência desses e de outros sentimentos e conflitos enseja insegurança e mal-estar no codependente, resultando em outro tipo de cobrança, só que, desta vez, quem passa a ser exigido é o dependente químico. Em resposta a essa pressão, o dependente químico passa a fazer falsas juras de mudanças de comportamento e atitude, a mentir sobre vários assuntos. Dentre as respostas mais frequentes do dependente químico, destacamos: dizer que não está mais consumindo drogas e que não vai mais consumir no futuro; prometer que vai mudar de comportamento, sendo mais responsável com sua vida, gerando, assim, falsas crenças no codependente. 

Essa cascata de cobranças é permanente e enseja dificuldades nas relações familiares, favorecendo o isolamento do codependente e do usuário, tornando a relação de ambos, muitas vezes, mais doentia e conflituosa.

O MEDO

"Eu sinto tanto medo que eu tremo. Sabe, é triste para uma mãe ter medo do filho". (Flávia - mãe)

O medo é um dos sentimentos mais presentes e marcantes na vida dessas pessoas e, especificamente, na expressão do grupo, ele ficou caracterizado em várias situações, associado à violência contra o outro e a si próprio, ao abandono, ao medo de cometer erros, de ter vida própria e de que aconteça algo ruim com o dependente químico.

A violência física resulta do efeito do uso das drogas em alguns dependentes químicos, ocasionando medo nos familiares e em outras pessoas com as quais convivem. Participantes como mães e esposa disseram que sentiam medo de serem agredidas fisicamente pelos familiares dependentes químicos.

O medo expresso pode estar associado, também, a respostas de violência dirigida ao parente dependente, desencadeada pela situação conflitante vivenciada no cotidiano doméstico. Desse modo, a codependência pode ser expressa pela sensação de ser capaz de responder com violência àquele ou àquela situação fora do controle do familiar. Nessa hora, entra em cena a sensação de dúvida e desconfiança de si próprio, geradas pela raiva, frustração ou mesmo fúria dirigida ao dependente químico ou autodirigida. Tal situação, não raro, termina em tragédia, conforme acompanhamos pelos media os relatos de homicídios ou suicídios cometidos por esses familiares. Sobre esse mesmo comportamento do familiar, é realidade que "muitos co-dependentes têm medo da própria raiva".

O contato com as substâncias psicoativas leva a diferentes tipos de violência, dentre elas a doméstica, de rua, gênero e até institucional. Dependentes químicos afirmam que a relação entre droga, violência e prazer é vivenciada por eles de forma conflituosa, e que seus familiares, quando cansados de presenciarem essa relação, sentem medo de intensificar situações geradoras de violência.

O medo de fazer algo contra si foi percebido quando um dos participantes falou sobre a possibilidade de praticar suicídio:

"quase toda a minha vida, que foi de 15 anos pra cá, pois hoje tenho 42 anos... e então, foi a minha adolescência, entrando na fase adulta todinha nisso, convivendo com as drogas. Então eu tenho medo de chegar à loucura e praticar o suicídio, por causa da impotência, do vazio e você não saber como lutar contra isso". (Vicente - irmão)

O familiar tem medo de ficar sozinho, da rejeição e do abandono do outro. Passa a utilizar artifícios inadequados e de maneira distorcida para que isso não aconteça.

Ter medo de cometer erros é uma das características da codependência que mais reprime, dificultando o processo de tomada de decisão perante toda a situação vivenciada.

Já o medo de se permitirem ser quem são, abrindo mão da própria vida, também foi observado nas experiências vivenciadas pelos familiares pesquisados.

No grupo, observamos a participante Janete, que expressou essa característica com maior clareza, pois estava feliz com a mudança em seu estilo de vida, mas tinha medo de viver essa nova vida. Um medo que nem ela mesma sabia decifrar, pois estava se redescobrindo, e essa redescoberta estava sendo vivenciada com muito temor, o que podemos perceber no discurso a seguir:

"Estou muito feliz com esse meu novo jeito de ser, mas estou com medo por não estar mais sentindo medo. Tenho medo do que pode acontecer." (Janete - irmã).

Essa aparente contradição expressa por Janete é vivenciada por muitos codependentes: quando passam a experimentar outras vivências que não a codependência, ficam com medo de que tudo volte e de que tudo não passe de fantasia.

E, por último, o familiar está sempre com medo de que aconteça algo de ruim com o dependente químico, que ele saia de casa e vá em busca da droga, recaindo. O medo da recaída culmina no constante medo do futuro, do amanhã.

segunda-feira, 16 de março de 2015

DIA DE COMBATE ÀS DROGAS

O Dia de Combate às Drogas, celebrado no dia 26 de junho, incentiva ações para prevenção e conscientização em todo o país. Sabemos que há coisas sendo feitas pelo governo, polícia militar e federal, ONG’s e outras entidades, porém, ainda há muito o que fazer, especialmente quando o assunto é o preconceito contra os dependentes químicos. 
Viciado. Vagabundo. Fraco. Nóia. Esses são apenas termos que algumas pessoas usam para se referir a um dependente químico. Experimentar uma droga psicoativa pode ser uma escolha do indivíduo, a maioria das pessoas experimentam drogas como forma de aliviar algo que não vai bem ou mesmo curiosidade, se sentir aceito em um grupo. Continuar usando já nem sempre é uma decisão consciente, devido à falta que o seu corpo sente com ausência das substâncias psicoativas. A abstinência causa sintomas físicos e psicológicos que o indivíduo acredita que só ficará bem com o uso das drogas. Com o tempo, a tolerância do organismo aumenta e o consumo de substâncias psicoativas pode transformar-se em doença – a dependência química. 
E fazer a sociedade entender que a dependência química é uma enfermidade não é fácil devido à marginalização do doente. O preconceito existe até entre pacientes alcoolistas que se recusam a participar de atividades com dependentes químicos de drogas ilícitas, pois acreditam que a sua dependência é diferente, afinal eles não infringem nenhuma lei quando consomem bebidas alcoólicas.
Esse preconceito em torno da dependência química tem origem nas próprias famílias que demoram muito tempo para identificar o problema de dependência dentro de casa. Isso acontece devido à vergonha e medo que familiares e amigos se afastem, perda de emprego e outros riscos sociais. No entanto, este bloqueio impede a busca por tratamento ainda nos primeiros sinais da doença, o que comprovadamente aumenta as chances de recuperação e até mesmo pode evitar uma internação do dependente químico.
A fase da negação é um dos maiores fatores a serem superados no tratamento da dependência química. A dificuldade em reconhecer a doença em dependência química não está só no paciente, mas também na família. As pessoas, de um modo geral, têm um conceito que o dependente químico é um delinquente e não entendem que ele esteja doente. A dependência química é considerada uma doença crônica, causada pela necessidade psicológica da pessoa de buscar o prazer e evitar sensações desagradáveis, causadas pela abstinência.

A família deve buscar ajuda profissional rapidamente. Infelizmente, é comum que o uso de drogas provoque brigas e afastamento de alguns membros da família, reforçando o preconceito contra o dependente químico. A família precisa se mostrar unida e não usar de acusações ou argumentos do tipo ‘se você não fizer isso eu não te dou aquilo. Falar a verdade, não prometer e não cumprir. Ter firmeza nas palavras e limites. A pessoa precisa saber que não está sozinho e que a recuperação será feita através de profissionais especializados, pois esse será o melhor caminho.

Vergonha

Um dos obstáculos para o tratamento da dependência química é a vergonha dos familiares em aceitar que a droga é um problema naquele lar. Quando o dependente é encaminhado para o tratamento, os familiares sentem-se envergonhados perante os vizinhos.
A dependência química causa preconceito porque a questão é cercada de valores e conceitos morais. Apesar disso, quase todas as famílias têm algum dependente químico, seja de drogas ilícitas, álcool, cigarro ou drogas lícitas, os medicamentos.
Atualmente, os casos mais graves estão relacionados ao consumo do crack, droga que causa alto grau de dependência, e com muita rapidez. Já não é uma droga que afeta somente o adolescente. Independentemente da classe social, hoje temos muitos idosos utilizando crack, principalmente aqueles que já tinham um histórico de alcoolismo.
O crack é uma droga que causa fissura durante o uso, ou seja, enquanto a pessoa está fumando, já sente vontade de utilizar ainda mais. O dependente químico perde totalmente a capacidade de controle. Muitas pessoas fumavam até acabar o dinheiro, e depois estavam dispostas a fazer qualquer coisa para conseguir mais uma dose

PRECONCEITO CONTRA USUÁRIO DE DROGA É O SEGUNDO NO RANKING

No ranking dos grupos mais repudiados no País, de acordo com pesquisa publicada em fevereiro pela Fundação Perseu Abramo, os usuários de drogas aparecem em segundo lugar no grau de aversão, perdendo apenas para os ateus. Entre as pessoas que o brasileiro menos gostaria de encontrar na rua, viciados em drogas aparecem em primeiro lugar, na opinião de 35% dos entrevistados.
O levantamento também aponta a existência de intolerância relacionada à orientação sexual e crença religiosa, temas já abordados em O Diário nesta série de reportagens sobre preconceito. O preconceito contra o usuário de drogas é acentuado pela escalada da violência relacionada ao tráfico, destacada pela mídia. Muitas pessoas acreditam que todo usuário de droga está ligado ao crime.
Embora o enfoque da sociedade em relação às drogas esteja em questões de segurança e repressão, este é um problema de saúde pública. A dependência química já é considerada uma epidemia.
O preconceito e a marginalização do usuário atrapalham o tratamento. Muitos não se aceitam como dependente químico e relutam em buscar apoio. Quando finalmente o fazem, a situação pode já estar fora de controle.
A droga é um assunto complexo, deve ser tratado com uma equipe que inclui assistente social, psiquiatra e psicólogo, enfermeiro e outros.

A medicação é ministrada de maneira criteriosa, apenas em casos onde é extremamente necessária. Apesar da sociedade rotular o dependente de bandido, ele é um paciente como qualquer outro, que precisa de tratamento. 
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