quarta-feira, 25 de março de 2015

CUIDADO OU CONTROLE?

"A pessoa tem que ter cuidado 24 horas. É só o que eu faço. Cuido do meu filho 24 horas sem parar, só tenho folga no sábado, quando ele vai para a casa do pai dele". (Adriana - mãe) 


Ser codependente é ser alguém que ama e cuida exageradamente, comportamento que pode ter sido aprendido ainda quando criança, ou mais tarde, na vida adulta, com a interpretação de alguns fatores culturais. Amar e cuidar excessivamente pode ter sido fruto de uma necessidade de alguém se proteger ou satisfazer as próprias necessidades, traduzindo-se em uma forma de sobreviver emocional, mental e fisicamente.

Mesmo na atualidade, ainda é comum encontrarmos mulheres que foram ensinadas que cuidar do outro é uma qualidade feminina desejável. As mulheres, mais do que os homens, são treinadas para atender os outros e focam sua energia na capacidade de cuidar. 

Essa tendência de a mulher cuidar dos familiares ficou evidente no grupo quando 91% dos participantes eram mulheres. Destacamos, entretanto, que tanto a mulher quanto o homem sofrem com a codependência, pois esse cuidar do familiar ao usuário de drogas torna-se uma necessidade imperativa, e não uma escolha. O cuidar pode traduzir-se em "uma forma de controle, de si e do outro". 

O cuidado/controle foi observado no grupo de familiares dos usuários de drogas como característica marcante em todos os participantes - tanto o cuidado excessivo com o outro como a omissão do cuidado para consigo. A expressão do cuidar excessivo manifestou-se por meio de alguns comportamentos observados: preocupação permanente com o cuidar e se relacionar com o usuário; observação rigorosa de todos os passos, comportamentos e atitudes; buscar soluções para o problema, oferecendo sugestões; tendência a antecipar as necessidades da outra pessoa; dificuldade de dizer não ao usuário; fazer coisas que realmente não gostaria de fazer; realizar coisas que a outra pessoa é capaz de realizar por si mesma; procurar agradar aos outros, principalmente o usuário de drogas, em vez de a si mesmo. 

O cuidado excessivo também está sendo expresso quando o familiar, por inúmeras vezes, considera-se e sente-se responsável pelos sentimentos, pensamentos, ações, escolhas, desejos, necessidades, bem-estar e falta de bem-estar e, inclusive, pelo destino do dependente químico. Essas características ficaram muito evidentes no grupo. 

Observamos, também, nos depoimentos e expressões de sentimentos dos participantes, que eles se achavam seguros quando se colocavam à disposição para ajudar ou fazer algo pelo seu familiar dependente químico. Essa, contudo, foi uma das características que foi desaparecendo em alguns participantes, à medida que o grupo evoluía. 

O grupo revelou que cuidar excessivamente e/ou controlar o dependente químico desenvolve uma sensação no familiar de que o drogadito o está levando à loucura, deixando-o confuso e deprimido. Esses sentimentos parecem contribuir para a baixa autoestima, pois o familiar codependente não entende por que ele faz e cuida tanto e acaba não tendo o resultado esperado, como podemos observar nos discursos: 

"Vou acabar ficando louca. De repente, tem horas que dá vontade de eu sair correndo feito louca; fico tão desesperada..., e eu não faço isso porque eu tenho vergonha, sabe? Ainda bem que tem aquela coisa que me impede. Puxo meus cabelos! É uma loucura! O menino me obriga a dar dinheiro... É aquela loucura! E eu acabo fazendo tudo o que ele quer. Cuido dele tão bem, faço tudo por ele para que ele saia dessa, mas não tem jeito... Na realidade, o que aconteceu foi que eu não tive controle sob meu próprio filho, soltei o menino. É uma coisa horrorosa! Mas o que eu não admito mesmo é porque eu faço tanto por ele, cuido tão bem dele, e ele não agradece. Diz que eu faço é sufocar ele. Pode?" (Flávia - mãe) 

A codependência é apenas uma maneira de tentar satisfazer necessidades que não se consegue realizar, fazendo as coisas erradas pelas razões certas.

Sobre o cuidado, podemos dizer do homem que cuida que "seu bem nunca é inteiramente bom. Seu mal jamais totalmente mau. Mesclam-se bem e mal, diabólico e simbólico, insensatez e sabedoria, cuidado essencial e descuido fatal... Devemos exercer a compaixão para com nós mesmos".

O cuidado essencial ao ser humano deve ser dispensado de forma equilibrada e natural, pois, quando em excesso, se transforma em obsessão, tornando-se doentio e prejudicial a ambos - dependente e codependente. Do mesmo modo, a carência do cuidado origina o descuido e o abandono. A busca do equilíbrio depende de vários fatores, e, muitas vezes, as pessoas envolvidas com a problemática de um ente querido não sabem definir a condição mais propícia ou ideal. No grupo, evidenciamos o quanto a atividade grupal favoreceu a percepção e a busca do equilíbrio, rompendo ou mesmo tornando consciente o comportamento codependente. 

A alternativa terapêutica de terapia grupal breve com os familiares de adictos parece ser eficaz no sentido de adequar e orientar condutas, contribuindo para melhorar as relações e a organização do contexto familiar em dependência química. Constitui uma excelente forma de suporte para essa clientela.

O grupo revelou o cuidado, ainda, em várias situações do cotidiano das relações familiares mediante comportamentos, atitudes e ações, tais como: cuidado com a administração de medicamentos, alimentação e preocupação com o bem-estar físico e mental; acompanhar o dependente químico para quase todos os locais, vigiá-lo e cuidar dele para que não entre em contato com a droga ou sofra agressões na rua, principalmente de pessoas envolvidas com o tráfico de drogas.

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