quarta-feira, 25 de março de 2015

A CULPA

"Aqui no grupo a gente diz assim: 'Não, você não tem culpa!' Mas a gente tem um pouco de culpa, sim!" (Ana - mãe) 

O sentimento de culpa apreendido das falas dos familiares se faz presente em vários momentos. Chamou-nos a atenção, particularmente, o depoimento de uma das participantes do grupo durante a entrevista individual, quando expressou seu desagrado em relação à condição de dependência química de seu filho, exprimindo arrepender-se de tê-lo trazido ao mundo. Diz o seguinte: 

"Eu me sinto desequilibrada, culpada e arrependida de ter tido ele..." (Flávia - mãe) 

Nesse depoimento, encontra-se evidente um dos mecanismos de defesa do ego identificados por Freud, os quais foram e continuam sendo estudados para descrever a luta do ego contra ideias e afetos dolorosos e insuportáveis. 

Por ocasião deste estudo, os sentimentos de culpa e arrependimento descritos pela participante foram denominados de negação, um mecanismo de defesa bastante utilizado pelo dependente químico e pelo codependente. Essa negação refere-se a uma parte da realidade externa desagradável ou indesejável, pela fantasia de satisfação de desejos ou pelo comportamento. O codependente nega seu desejo, anulando parcialmente as consequências dolorosas de lidar com este. 

Em família, na vivência cotidiana do problema da dependência de drogas, é comum as pessoas não falarem sobre esse assunto, não manifestarem o que pensam e o que sentem a respeito; passa a imperar a regra do não falar sobre. Outros focos de atenção começam a surgir como estratégia de negação ao problema da droga. Problemas outros ganham superênfase, e a droga ganha subênfase. Podemos dizer que a família acaba se tornando mantenedora do problema. 

Geralmente, as famílias começam a se preocupar com o uso da droga a partir do momento em que sintomas físicos e emocionais são manifestados pelos seus membros. Até então, o que se observa na família é uma ilusão de controle sobre o problema. A culpa é um dos sentimentos mais perceptíveis na condição de codependência do familiar, manifestando-se em momentos como o início do consumo de droga de seu ente querido e a falta de imposição de limites. Observamos, também, que, em virtude desses sentimentos, o familiar assume uma atitude obsessiva para cuidar, preocupando-se e controlando excessivamente o dependente químico. Nesse momento, entra em cena uma das principais características da codependência, que é o excesso de atenção ao outro, o qual, muitas vezes, o faz esquecer-se de si próprio. 

Codependente é aquela pessoa que permitiu a si mesma ser afetada por outra e por seus problemas e que perdeu o amor próprio, a capacidade de se afirmar e de cuidar de si mesma. 

Mesmo amando, preocupando-se, cuidando e controlando excessivamente, o codependente carrega um conflito, muitas vezes inconsciente, sentindo-se culpado por algum sentimento negativo que possa sentir, como raiva, desconforto pela dependência psicoemocional ou financeira. Essa condição emocional conflituosa pode favorecer a diminuição da autoestima, do autocuidado e do interesse sobre si próprio. A autoestima do codependente é regulada pelo que consegue agradar ou não ao outro. 

Como o codependente tende a assumir toda a responsabilidade para com o dependente químico, ele passa, também, a ser a principal referência para os outros integrantes da família quando o assunto envolve a dependência química daquele membro usuário. Dessa forma, passa a receber cobranças dos outros e de si próprio. As cobranças são referentes aos problemas causados pelo uso de drogas e, principalmente, pelas inúmeras tentativas, muitas vezes frustradas, de busca de solução. 

A vivência desses e de outros sentimentos e conflitos enseja insegurança e mal-estar no codependente, resultando em outro tipo de cobrança, só que, desta vez, quem passa a ser exigido é o dependente químico. Em resposta a essa pressão, o dependente químico passa a fazer falsas juras de mudanças de comportamento e atitude, a mentir sobre vários assuntos. Dentre as respostas mais frequentes do dependente químico, destacamos: dizer que não está mais consumindo drogas e que não vai mais consumir no futuro; prometer que vai mudar de comportamento, sendo mais responsável com sua vida, gerando, assim, falsas crenças no codependente. 

Essa cascata de cobranças é permanente e enseja dificuldades nas relações familiares, favorecendo o isolamento do codependente e do usuário, tornando a relação de ambos, muitas vezes, mais doentia e conflituosa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts with Thumbnails