segunda-feira, 28 de março de 2011

Co-dependência é um distúrbio mais freqüente do que se imagina


Autora: Ana Paula de Oliveira
Fonte: Folha de S.Paulo, de dois de agosto de 2004.


O marido que cerceia o crescimento profissional da mulher. A mãe que faz o impossível para o filho não sair de casa. O chefe que não permite ao empregado crescer dentro da empresa. A namorada que exige do parceiro 24 horas de dedicação incontestável e absoluta. A esposa que prefere deixar o marido alcoólatra beber em casa a ir ao bar. O avô que paga ao traficante as dívidas do neto.

São exemplos genéricos, mas clássicos, de como a co-dependência --depender da dependência do outro em relação a si mesmo-- está tão profundamente enraizada no convívio social e familiar.

É uma via de mão dupla, em que, no final das contas, as partes dependem umas das outras. A mulher "podada" pelo marido controlador necessita dessa figura para se sentir protegida: ela é sua dependente, e o marido também precisa dela e alimenta essa dependência.

Embora não seja catalogada oficialmente como transtorno mental, hoje a co-dependência é tida como um distúrbio da mente.

Originalmente, o termo co-alcoólatra foi designado para caracterizar as mulheres de alcoólatras, que, na década de 70, passaram a fazer reuniões paralelas às que seus maridos freqüentavam no AA (Alcoólicos Anônimos). Nesses grupos, elas perceberam possuir um denominador comum: toda a sua vida familiar girava em torno do dependente.

Divulgada no Encontro do Colégio Internacional de Neuropsicofarmacologia, no Rio de Janeiro, em agosto de 2004, uma pesquisa que constatou que 97% das mulheres de alcoólatras preenchem o diagnóstico de co-dependência e possuem algum distúrbio de ansiedade (síndrome do pânico, fobia social). Os estudos -- feitos com 485 famílias -- foram coordenados pelo psiquiatra Jorge Jaber, fundador da Associação dos Familiares dos Dependentes Químicos, em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro.

De acordo com Sergio Nicastri, coordenador do Programa Álcool e Drogas do hospital Albert Einstein, temendo perder o controle do sujeito subordinado, o co-dependente chega até a comprar ou pagar o vício do dependente. "Por isso existe a necessidade de tratar tanto o alcoólatra como a sua família", explica.

São dependências paralelas. Da mesma maneira que um dependente desenvolve uma ligação com a droga que não consegue controlar, o co-dependente estabelece uma relação de sujeição com o outro que não consegue controlar, como explica Jaber, que também é diretor da Abrad (Associação Brasileira de Álcool e Droga).

Auto-ajuda

Apesar de não ter participado do estudo acima, a escritora e jornalista Rita Ruschel, 54, enquadra-se perfeitamente no perfil da pesquisa. Filha de pai alcoólatra, toda sua vida foi cercada de relações de co-dependência, em maior ou menor grau. "Tentava controlar o ambiente para o meu pai não beber e minha mãe não chorar. Não tinha vida própria." Já adulta, Rita Ruschel passou, inconscientemente, a absorver o único modelo de relacionamento que conhecia: envolveu-se com alcoólatras e com homens emocionalmente indisponíveis. "Hoje sei que, como sempre tive de correr atrás do meu pai para ele gostar de mim, passei a fazer o mesmo com meus parceiros", diz Ruschel, autora de "Rita, Ritinha, Aprendendo a Amar" (ed. Ágora).

Há dez anos, Rita Ruschel começou a participar de grupos de auto-ajuda a familiares de dependentes e descobriu que fazia apenas a vontade do outro. "O co-dependente é assim. Vive em prol do outro. Hoje já começo a saber do que eu gosto. Se estou curada? Se bobear, eu me pego ainda fazendo o trabalho dos outros e colocando os amigos em primeiro lugar. Sou perigosa para mim."

Para a psicanalista Lygia Vampré Humberg, a co-dependência deve ser encarada como uma doença crônica --assim como diabetes e hipertensão. "Portanto exige contínua vigilância", orienta Humberg, que escreveu uma dissertação de mestrado sobre o tema na faculdade de medicina da USP.

De vítimas a heróis

"Eu quis viver a vida do outro, esquecendo da minha própria. Sempre fui co-dependente em todos os meus relacionamentos. Essa doença não permite que sejamos nós mesmas", conta Maria (nome fictício), em uma reunião do Mada (Mulheres que Amam Demais Anônimas).

Inconscientemente, o co-dependente se transforma em vítima, dizendo "sou coitado, mas veja como sou forte e o que eu tenho de suportar", explica a psicóloga Maria Aparecida Junqueira Zampieri. "É um heroísmo e uma necessidade dolorida de ajudar os outros", continua Zampieri, que acaba de lançar o livro "Co-dependência, o Transtorno e a Intervenção em Rede" (ed. Ágora).

São nos grupos de auto-ajuda, como o Coda (Co-dependentes Anônimos) e o Mada, que os freqüentadores se descobrem controladores compulsivos e percebem que o que procuram são relacionamentos sofridos.

Sob o lema "Aprender a desenvolver relacionamentos saudáveis", os Co-dependentes Anônimos seguem a mesma cartilha do AA: viver um dia de cada vez sob alguns "mandamentos", como --e principalmente-- colocar-se em primeiro plano. Sempre.

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