sábado, 16 de abril de 2022

SOLENE PREGAÇÃO DA PAIXÃO





Imagina, que aconteceu em um estádio, uma luta épica. Um herói enfrentou o cruel tirano que escravizava a cidade e, com enorme esforço e sofrimento, o venceu. Você estava na arquibancada, não lutou, não se esforçou e nem teve feridas. Mas, se você admira o herói, se se alegra com ele pela vitória, se tece-lhe uma coroa, se anima e exalta a plateia por ele, se ajoelha com alegria diante do vencedor; em suma, se exalta por ele, a tal ponto de considerar como sua a vitória dele, eu lhe digo que você terá com certeza parte no prêmio do vencedor.

E tem mais: suponha que o vencedor não tenha nenhuma necessidade do prêmio que conquistou, mas que deseje, mais do que qualquer outra coisa, ver o seu admirador honrado e lhe entre o prêmio, mesmo sem ter lutado e sem ter feridas!

Dessa forma, acontece com Cristo e conosco. Ele, na cruz, derrotou seu antigo adversário. não temos lesões, nem sequer vimos a batalha, e eis que temos a vitória. Sua foi a luta, nossa a coroa. E porque também nós vencemos, com cantos de alegria exaltemos a vitória, entoemos hinos de louvor ao Senhor.

Devemos ter cuidado neste dia, participando nas procissões do Cristo morto, de não merecermos a censura que o Ressuscitado dirigiu às piedosas mulheres na manhã de Páscoa: "Por que procurais Aquele que vive entre os mortos?" (Lc 24,5). Não é a morte de Cristo que nós choramos, mas choramos pelos nossos pecados que tenhamos a vida pela morte e ressureição do Senhor.

Não se trata somente de assistir a uma representação, da morte de Cristo, mas de “acolher” o significado, de passar de espectador à ator. Cabe a nós portanto escolher qual parte queremos representar no drama, quem queremos ser: se Pedro, se Judas, se Pilatos, se a multidão, se o Cireneu, se João, se Maria … ninguém pode permanecer neutro; não tomar partido, é tomar o lugar de Pilatos que lava as mãos, ou da multidão que de longe "permanecia lá, a olhar " (Lucas 23, 35). Se voltando para casa, nesta tarde, alguém nos perguntar: "De onde vens? Onde estivestes?", respondamos, portanto, pelo menos em nossos corações: "No Calvário!"

Mas nada disso acontece automaticamente, só porque participamos nesta liturgia. Trata-se, de “acolher” o significado do mistério. Isto acontece com a fé. Não há música, onde não há um ouvido que a escute; não há graça, onde não há uma fé que a acolha.

"Para cada homem, o princípio da vida é aquele, a partir do qual Cristo foi imolado por ele. Mas Cristo é imolado por ele quando ele reconhece a graça e se torna consciente da vida que lhe foi dada por aquela imolação” Isso aconteceu no Batismo, mas deve sempre acontecer conscientemente de novo na vida. Devemos, antes de morrer, ter a coragem de fazermos um golpe de audácia, apropriar-nos da vitória de Cristo. A apropriação indevida! “Indevida” aqui significa que não nos é merecido, mas nos é dado gratuitamente, pela fé.

O que não posso obter por mim mesmo, o aproprio com confiança do lado aberto do Senhor, porque está cheio de misericórdia. Meu mérito, por isso, é a misericórdia de Deus.

Que esta forma de conceber a santidade, no entanto, não nos deixe menos zeloso das boas obras, menos comprometidos na aquisição das virtudes. menos empenhado em jejuns para libertar-nos da escravidão do pecado, pois é exatamente essas práticas que nos fazem antes de todos e mais do que todos, apropria-nos da justiça de Cristo.

O publicano da parábola subiu ao templo para orar; disse simplesmente, mas do fundo do coração: "Ó Deus, tem misericórdia de mim, pecador!", e "voltou para casa justificado" (Lc 18, 14), reconciliado, feito novo, inocente. O mesmo, se temos a sua fé e o seu arrependimento, se poderá dizer de nós voltando à casa depois desta liturgia.

Entre os personagens da paixão que podemos nos identificar mais do que ninguém, espera quem lhe siga o exemplo: o bom ladrão. O bom ladrão faz uma confissão completa dos pecados; diz ao seu companheiro que insulta Jesus: “Nem sequer temes a Deus, estando na mesma condenação? Quanto a nós, é de justiça; estamos pagando por nossos atos; mas ele não fez nenhum mal”

O bom ladrão se mostra aqui um excelente teólogo. Só Deus de fato, se sofre, sofre absolutamente como inocente; qualquer outro ser que sofre deve dizer: "Eu sofro com justiça," porque, embora não seja responsável pela ação imputada, nunca está totalmente sem culpa. Só a dor das crianças inocentes é semelhante àquela de Deus e por isso é tão misteriosa e tão sagrada. Quantos crimes atrozes que permanecem, nos últimos tempos, sem culpados, quantos casos não resolvidos! O bom ladrão faz um apelo aos responsáveis: façam como eu, venham à luz, confessem a vossa culpa; experimentareis também vós a alegria que eu senti quando ouvi a palavra de Jesus: “Hoje estarás comigo no paraíso!”.

Quantos réus confessos podem confirmar que foi assim também para eles: que passaram do inferno ao paraíso no dia que tiveram a coragem de arrepender-se e confessar a sua culpa. Eu também conheci alguns. O paraíso prometido é a paz da consciência, a possibilidade de olhar-se no espelho ou olhar para os próprios filhos sem ter que desprezar-se.

Não carreguem convosco até o túmulo o vosso segredo; encontraríeis uma condenação muito mais temível do que aquela humana. O nosso povo não é cruel com quem errou, mas reconhece o malfeito, sinceramente, não somente por algum interesse. Pelo contrário! Está pronto para ter pena e acompanhar o arrependido no seu caminho de redenção (que de qualquer forma, torna-se mais curto).

"Deus perdoa muitas coisas, por uma obra boa". Ainda mais, devemos dizer, que ele perdoa muitas coisas por um ato de arrependimento. Ele prometeu solenemente: “Mesmo que os vossos pecados sejam como escarlates, tornar-se-ão alvos como a neve; ainda que sejam vermelhos como o carmesim tornar-se-ão como a lã” (Is 1, 18).

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