Pe. Vitor Hugo
Nos
meus contatos dentro das comunidades terapêuticas, tenho me defrontado sempre
com as questões sobre o crescimento humano, suas dificuldades e seus
parâmetros, sobretudo em vista do 4º passo. Não é fácil a gente recuperar a
memória do que foi cada uma das etapas da vida, as vitórias e fracassos,
conquistas e perdas.
Por
isso, tomo a liberdade de apresentar aqui um esquema muito simples, sem
qualquer rigor científico, mas que talvez ajude a entender o que se passou em
cada fase da vida, dividindo-a a cada cinco (5) anos, desde o nascimento. Me
parece que a cada cinco anos a gente supera uma etapa e passa para outra
diferente. Na minha visão, isso tem a ver mais com antropologia cultural do que
propriamente com psicologia ou patologia.
O
tempo da gestação é de uma importância extraordinária para a vida de cada um de
nós. Os registros hereditários, os registros emocionais, os componentes
químicos, alimentares, ambientais, as experiências religiosas, enfim, tudo o
que ocorre desde a concepção até o momento do nascimento, serão fatores
importantes para o resto da vida. Inclusive o parto, espontâneo ou induzido,
deixará sua marca na tela da vida.
Quem
quiser fazer um 4º passo bem feito deve começar perguntando para a mãe e para o
pai como foi este período da vida intra uterina. Como foi a vida deles, suas
alegrias e tristezas, angústias e esperanças, a dependência de substâncias
químicas (o uso do tabaco e do álcool...). Se houve experiências fortes de
perdas, de dores emocionais... Esta será a primeira matéria prima do 4º passo,
plataforma de lançamento das metas e sonhos.
1.
A
etapa do zero aos cinco anos (0 - 5): nos primeiros cinco anos nós
estabelecemos contato com o mundo que nos envolve. Aprendemos a distinguir as
coisas, a chamá-las pelo nome, aprendemos a caminhar, a subir nas coisas.
Aprendemos o que significa o sim e o não. Aprendemos também a estabelecer as
primeiras relações afetivas, beijando, abraçando, correndo ao encontro, sentindo
saudade. Aprendemos a medir distâncias, a repartir os brinquedos, a jogar,
ganhar e perder, cair e levantar. É a etapa da socialização. Aprendemos a
correr riscos, a distinguir sabores. Aprendemos, com sacrifício, que a vida
pode nos dizer um solene não
mesmo quando batemos o pé com insistência. Aprendemos na escola da vida a
mentir e a pegar o que não nos pertence tendo os adultos como professores. Se o
cadarço for muito curto, seremos retraídos por toda a vida. Se o cadarço for
adequado, aprenderemos a ter aceitação. Se não houver cadarço, poderemos nos
tornar delinqüentes. Nesta etapa, para fazer bem o 4º passo, ainda é preciso
perguntar aos pais como foram as coisas e que tipo de criança nós fomos...
2.
A
etapa dos seis aos dez anos (6 - 10): neste período iniciamos nossa busca de
identidade. Os meninos se ligarão à figura do pai. Nesta idade, o pai sabe
tudo, é fortão, brinca comigo, é legal. Meu pai arruma a bicicleta, me dá uma
palmada e eu durmo com ele, tomo banho com ele. Meu pai é meu herói. E a menina
veste as roupas da mãe, os calçados da mãe, usa o baton da mãe, brinca de mamãe
com a boneca. Minha mãe sabe tudo e me ama. É a etapa do desenvolvimento humano
afetivo, que dará segurança e auto estima de qualidade para o resto da vida. Um
menino que tem a mão firme do pai segurando a sua, saberá tomar decisões e
viverá uma estabilidade emocional de melhor qualidade. Da mesma forma a menina,
com a introjeção da figura materna, irá firmar sua condição feminina sem ser
pegajosa, fria ou delirante. Aqui já não será mais preciso perguntar como foram
as coisas pois, normalmente, retemos na memória os dados desta etapa. Os
registros de figura paterna e figura materna são preponderantes nesta fase da
vida e poderão eliminar ou diminuir em muito os rancores que se leva nos porões
do “baú da existência”...
3.
A
etapa dos onze aos quinze anos (11 - 15): se na primeira etapa olhamos para
fora e na segunda olhamos para dentro, agora é a hora de olhar para os lados,
pois é quando descobrimos o nosso oposto complementar, é quando se coloca a
questão do gênero. O menino descobre a menina e vice-versa. Para ambos é um
período complicado. O corpo do menino se modifica rapidamente e ele não sabe o
que fazer com as pernas e braços alongados e menos ainda com as secreções glandulares.
Por mais que lhe expliquem, a descoberta terá que ser absolutamente individual.
E para a menina é a mesma coisa. Ela terá que admitir a transformação do corpo
e aprender a conviver com o fenômeno da fertilidade. Para ambos, a irrupção do
vulcão das emoções será uma vivência única e inexplicável, oscilando entre o
isolamento e a euforia, entre a exultação e a fossa. A descoberta da
sexualidade será também uma viagem ao espaço sideral, podendo fazer de ambos no
futuro, homens e mulheres centrados, desajustados ou potencialmente cafajestes,
sobretudo numa cultura que aceita duas meninas de mãos dadas na rua mas não
aceita dois meninos andando assim. Para o 4º passo, aqui se inicia a culpa.
4.
A
etapa dos dezesseis aos vinte anos (16 - 20): esta é a etapa onde emergem os
defeitos de caráter e as qualidades humanas. É a etapa onde se confunde
liberdade com independência. É a etapa das grandes perguntas: para que eu
sirvo?; o que eu vim fazer neste mundo?; qual será minha profissão? É a etapa
da finalização do ensino médio e escolha de algum curso técnico ou científico
(profissionalização ou formação acadêmica). É também a etapa do consumismo:
consumismo de coisas, de idéias, de imagens, de emoções, de pessoas, de querer
tudo para ontem como se o mundo fosse acabar amanhã e como se a vida fosse
demasiadamente curta para esperar e ter paciência. É quando, para alguns, a
droga de fato entra na vida porque a vida está se tornando uma droga e é
preciso buscar outra forma de prazer fora do convencional. É o tempo da
ansiedade e da angústia, pois o número de perguntas ultrapassa em muito a
capacidade de encontrar respostas. Talvez seja esta a fase em que mais se
precisa de um pai e de uma mãe sentados com freqüência na beira da cama para
recolocar os corações e mentes no seu devido lugar. Geralmente é quando menos
se tem. Para o 4º passo, é o tempo dos erros quase irremediáveis, de um filho
não desejado, de uma doença inoportuna, das perdas mais doloridas e das
escolhas mal feitas...
5.
A
etapa dos vinte e um aos vinte e cinco anos (21 - 25): é a etapa das
finalizações. Até os 25 anos se finaliza a formação profissional, se finaliza a
escolha do lugar no mundo, se finalizam as escolhas amorosas e afetivas. De
certa forma, aos 25 anos, é quando o homem e a mulher dizem para que vieram e
se apresentam ao mundo com seu potencial. Claro que esta visão exige um
processo natural de superação de cada uma das etapas anteriores, sem queimar
alguma delas ou ficar tempo demais em algum lugar do passado. Nas condições da
vida humana e para os padrões de hoje, estou convencido que esta é a idade da
maturidade humana, equilíbrio da mente e dos sentimentos, conhecimento do corpo
e dos instintos, admissão de valores e de crenças. Assim como na parábola
bíblica do semeador, houve sementes que se perderam nas laterais da estrada, ou
foram pisoteadas, ou comidas pelos pássaros. Entretanto, ouve sementes que
foram cultivadas e cuja árvore poderá agora dar fruto de 30, 60 ou 100 por um.
Há uma pálida esperança que uma ou outra semente esteja ainda adormecida e que
dará sinal de vida no futuro. Para o 4º passo, é a oportunidade única de
transformar esta matéria prima do inventário em plano de vida, a curto, médio e
longo prazos, com metas e sonhos a serem buscados.
Resumidamente,
podemos dizer que, tendo vivido este primeiro período da existência humana, os
próximos vinte e cinco anos (25 - 50) serão dedicados à estruturação deste
projeto de vida, com as correções de percurso necessárias e a consolidação das
metas propostas. Não ter este projeto de vida é muito ruim, pois vai significar
perda de tempo e de energia, além de vacilações para a direita e para a
esquerda, recuos e avanços sem previsão que só irão tumultuar a caminhada e
diminuir as oportunidades de bem estar e de satisfação. É realmente lamentável
que tanta gente nestes tempos sem limites, estejam trocando de metas e de
projetos com tamanha facilidade. E o resultado disso é a troca de parceiros, de
lugares, de crenças, como se tudo fosse descartável.
Sem
estas contrariedades então, os outros vinte e cinco anos (50 - 75) se
converterão no tempo da colheita para os que souberam preparar a terra,
escolher a semente e, plantadas elas, cultivaram e adubaram convenientemente,
não permitindo que o inço prejudicasse o crescimento. Ou que, pelo exame de
consciência freqüente, souberam identificá-lo e tirá-lo fora no tempo oportuno.
É quando os filhos dos nossos filhos trarão novamente para o nosso colo aquelas
certezas que somente as crianças tem, geralmente regadas pela alegria e pela
simplicidade de vida. Chegados assim aos setenta e cinco anos (75). O que vier
além disso é puro lucro a ser vivido com o brilho nos olhos, a esperança no
coração e a serenidade nas palavras e atitudes.
Por
isso, para aqueles que estão praticando os 12 passos, este 4º passo se torna a
parada necessária e o olhar arguto para dentro do “baú da existência”, onde
encontraremos coisas novas e coisas velhas, onde será necessário fazer aquela
faxina criteriosa e o polimento da prataria para que, depois disso, o “baú da existência”
não seja um fardo pesado, carregado de coisas inúteis e até prejudiciais,
sobretudo no campo das idéias insanas, dos sentimentos ruins que podem levar a
atitudes inadequadas. O 10º passo será nossa ferramenta para não deixar o baú
entulhar novamente.
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