Marisa antes de sair para o
trabalho, grita para Sérgio que ainda está tomando café:
-
Querido, não se esqueça de deixar a chave da dispensa
para a empregada.
E ele
responde:
-
Tudo bem, querida, não vai esquecer.
Então, ela ao
passar pela sala pega seu molho de chaves que sempre deixa do lado da
televisão, vai a garagem, entra no carro, põe a chave na ignição e percebe que
se enganou, pois pegou o molho de chaves do marido. Ela sai do carro, abre a
porta da garagem que dá acesso aos fundos da casa, vai até a sala, troca de
chaveiro, volta ao carro, abre o portão eletrônico e finalmente vai ao
trabalho.
Marisa é
professora da pré-escola, adora crianças. É especialista em educação e gosta
muito do que faz. Ao chegar a escola onde trabalha pega a chave do armário onde
guarda seu material, aliás, ela sempre reclama para si mesma todos os dias
porque a fechadura nunca abre na primeira volta da chave e além do mais, sua
porta no armário é a mais baixa. Outros professores que vieram depois dela tem
lugares mais confortáveis que o seu para guardar o material. Ela até solicitou
a troca quando Sílvia, uma professora que se aposentou deixou vazia uma porta
superior a sua; o diretor disse que ia dar um jeito, mas já faz dois anos, veio
outra professora e até agora nada.
Ao chegar na
porta da sala de aula, as suas crianças já estão em fila, alegremente esperando
por ela. Marisa pega a chave com um chaveiro com a foto de Letícia e Natália,
as gêmeas que foram suas alunas e lhe deram de presente o chaveiro com as
fotos. Ao abrir a porta, as crianças entram e tomam seus lugares e ela
encaminha a atividade do dia com uma história. As crianças adoram historinhas,
Marisa aprendeu isso no curso de pedagogia. Ela começa dizendo que uma pessoa
encontrou um cofre onde dentro dele havia algo muito especial, porém para
abri-lo não havia chave, botão ou senha. O desafio das crianças era descobrir:
O que seria capaz de abrir o cofre?
Logo começaram
os palpites. O primeiro disse que era um carinho, outro mais malvado disse uma
marreta ou talvez uma bomba. Outro um aperto de mão sincero num pacto de usar o
que tinha dentro para o bem e assim por diante. Vejam como é fértil a
imaginação das crianças.
E enquanto
umas crianças falavam e outras cochichavam tentando encontrar uma alternativa
melhor que a dos outros, Marisa abre o armário com os materiais de trabalho:
tinta, canetões, cartolinas, jornais e revistas velhas, e, diga-se de passagem,
esse armário é somente seu, pois a professora da tarde utiliza o armário que
fica no fundo da sala. E os materiais estão dispostos como ela definiu na
seguinte ordem: os que são mais utilizados no meio, os jornais e revistas
embaixo e as tintas na parte superior para as crianças não alcançarem.
Marisa
distribui o material para a criançada, surgiram obras muito bonitas de como
abrir o cofre. Todas com a pitada da imaginação e criatividade infantil. É
claro que Marisa poderia, junto com as crianças, dialogar sobre o que tem no
cofre, mas ela guardou isso pra próxima aula. Pois o tempo passa rápido quando
se está fazendo o que gostamos, já são 11:30 horas e já se ouve o sinal para
encerrar a aula; a gritaria das crianças pelos corredores também é sinal que
nem todos tiveram uma manhã tão entusiasmada como as de Marisa. Não viam a hora
de ir embora.
Marisa fecha o
armário depois de guardar tudo, chaveia a sala, vai a sala dos professores,
abaixa-se, abre a porta do armário, pega sua bolsa, fecha a porta, guarda a
chave na bolsa, despede-se dos professores e vai para casa. Ao chegar repete-se
a maratona de portas, fechaduras e chaves. Passa pela chave devagar , larga a
chave no lado da televisão, vai a cozinha, beija Sérgio que já a aguardava para
o almoço.
Almoça rápido,
pois de tarde vai a outra escola, a jornada é dupla já que ela está iniciando e
pretende guardar dinheiro para seu mestrado. Marisa chega em cima da hora
porque o ônibus atrasou, Sérgio iria ocupar o carro, vai direto a sala e tudo
recomeça...
À noite quando
chega em casa ela está exausta, mas satisfeita. As duas turmas colaboraram, e
ela assim como as crianças, aprenderam muito. Só lhe restou uma dúvida, a
partir de uma questão proposta por uma criança:
- Se as coisas
especiais estão dentro de um cofre que não precisa chave para ser aberto, por
que vivemos num mundo onde é impossível viver sem chaveiros repletos de chaves
de diferentes tipos e tamanhos?
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