sexta-feira, 19 de julho de 2013

O MUNDO DAS CHAVES - Ivo Dickmann

Marisa antes de sair para o trabalho, grita para Sérgio que ainda está tomando café:
-          Querido, não se esqueça de deixar a chave da dispensa para a empregada.
E ele responde:
-          Tudo bem, querida, não vai esquecer.
Então, ela ao passar pela sala pega seu molho de chaves que sempre deixa do lado da televisão, vai a garagem, entra no carro, põe a chave na ignição e percebe que se enganou, pois pegou o molho de chaves do marido. Ela sai do carro, abre a porta da garagem que dá acesso aos fundos da casa, vai até a sala, troca de chaveiro, volta ao carro, abre o portão eletrônico e finalmente vai ao trabalho.
Marisa é professora da pré-escola, adora crianças. É especialista em educação e gosta muito do que faz. Ao chegar a escola onde trabalha pega a chave do armário onde guarda seu material, aliás, ela sempre reclama para si mesma todos os dias porque a fechadura nunca abre na primeira volta da chave e além do mais, sua porta no armário é a mais baixa. Outros professores que vieram depois dela tem lugares mais confortáveis que o seu para guardar o material. Ela até solicitou a troca quando Sílvia, uma professora que se aposentou deixou vazia uma porta superior a sua; o diretor disse que ia dar um jeito, mas já faz dois anos, veio outra professora e até agora nada.
Ao chegar na porta da sala de aula, as suas crianças já estão em fila, alegremente esperando por ela. Marisa pega a chave com um chaveiro com a foto de Letícia e Natália, as gêmeas que foram suas alunas e lhe deram de presente o chaveiro com as fotos. Ao abrir a porta, as crianças entram e tomam seus lugares e ela encaminha a atividade do dia com uma história. As crianças adoram historinhas, Marisa aprendeu isso no curso de pedagogia. Ela começa dizendo que uma pessoa encontrou um cofre onde dentro dele havia algo muito especial, porém para abri-lo não havia chave, botão ou senha. O desafio das crianças era descobrir: O que seria capaz de abrir o cofre?
Logo começaram os palpites. O primeiro disse que era um carinho, outro mais malvado disse uma marreta ou talvez uma bomba. Outro um aperto de mão sincero num pacto de usar o que tinha dentro para o bem e assim por diante. Vejam como é fértil a imaginação das crianças.
E enquanto umas crianças falavam e outras cochichavam tentando encontrar uma alternativa melhor que a dos outros, Marisa abre o armário com os materiais de trabalho: tinta, canetões, cartolinas, jornais e revistas velhas, e, diga-se de passagem, esse armário é somente seu, pois a professora da tarde utiliza o armário que fica no fundo da sala. E os materiais estão dispostos como ela definiu na seguinte ordem: os que são mais utilizados no meio, os jornais e revistas embaixo e as tintas na parte superior para as crianças não alcançarem.
Marisa distribui o material para a criançada, surgiram obras muito bonitas de como abrir o cofre. Todas com a pitada da imaginação e criatividade infantil. É claro que Marisa poderia, junto com as crianças, dialogar sobre o que tem no cofre, mas ela guardou isso pra próxima aula. Pois o tempo passa rápido quando se está fazendo o que gostamos, já são 11:30 horas e já se ouve o sinal para encerrar a aula; a gritaria das crianças pelos corredores também é sinal que nem todos tiveram uma manhã tão entusiasmada como as de Marisa. Não viam a hora de ir embora.
Marisa fecha o armário depois de guardar tudo, chaveia a sala, vai a sala dos professores, abaixa-se, abre a porta do armário, pega sua bolsa, fecha a porta, guarda a chave na bolsa, despede-se dos professores e vai para casa. Ao chegar repete-se a maratona de portas, fechaduras e chaves. Passa pela chave devagar , larga a chave no lado da televisão, vai a cozinha, beija Sérgio que já a aguardava para o almoço.
Almoça rápido, pois de tarde vai a outra escola, a jornada é dupla já que ela está iniciando e pretende guardar dinheiro para seu mestrado. Marisa chega em cima da hora porque o ônibus atrasou, Sérgio iria ocupar o carro, vai direto a sala e tudo recomeça...
À noite quando chega em casa ela está exausta, mas satisfeita. As duas turmas colaboraram, e ela assim como as crianças, aprenderam muito. Só lhe restou uma dúvida, a partir de uma questão proposta por uma criança:

- Se as coisas especiais estão dentro de um cofre que não precisa chave para ser aberto, por que vivemos num mundo onde é impossível viver sem chaveiros repletos de chaves de diferentes tipos e tamanhos?

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