quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Dependência de drogas: o problema é a gaiola







































Um o experimento científico derrubou o mito segundo a qual substâncias psicoativas são por natureza nocivas e viciantes.

Por Cauê Seignermartin Ameni

Ao estampar em sua capa, na última quinta-feira (16/1), a imagem de uma paciente do novo programa para usuários de drogas de S.Paulo fumando crack após o trabalho, a Folha de S.Paulo praticou um atentado à privacidade da pessoa em tratamento médico, desencadeando crise de choro e revolta. E foi além. Na tentativa de “demonstrar” uma tese conservadora (a de que as terapias humanizadas são ineficazes para dependentes de drogas), ele ignorou um experimento científico realizado há mais de trinta anos. Já no final da década de 1970, o psicólogo canadense Bruce Alexander demonstrou que a socialização é, claramente, o melhor caminho (se não o único) para enfrentar a dependência química. 

Sua pesquisa, que passou a influenciar profissionais de saúde em todo o mundo. O fato de prevalecer até hoje, entre os velhos jornais brasileiros, a velha crença em métodos de punição e encarceramento só demonstra o atraso destas publicações.

Alexander, que trabalhava na Universidade Simon Fraser, questionou o pensamento predominante em sua época, segundo o qual as substâncias psicoativas produziam dependência, por sua natureza – e por isso deveriam ser proibidas. Para tanto, precisou enfrentar um problema. Em favor da crença comumente aceita, havia dezenas de experimentos “científicos”, geralmente realizados com ratos, e sempre com resultados semelhantes. “Demonstravam” que, uma vez em contato com drogas, os animais tornavam-se incapazes de viver sem elas.

O psicólogo canadense observou, porém, que talvez a causa destes resultados recorrentes não estivesse na correção da hipótese que eles supostamente “comprovavam” — mas num erro metodológico comum a todos os experimentos. Em todo os casos, os ratos testados eram confinados em gaiolas. Tinham um canudo implantado cirurgicamente no sistema circulatório. Eram treinados a movimentar uma alavanca e receber, diretamente no sangue, doses de morfina, heroína ou cocaína. Ao final de algum tempo, preferiam a droga aos alimentos ou à própria água, sendo levados à morte. “Concluía-se cientificamente” que as substâncias eram nocivas e altamente perigosas, e deveriam ser proibidas para humanos. As pesquisas foram um poderoso reforço ao proibicionismo e, mais tarde, à chamada “Guerra contra drogas”, em curso até hoje.

Bruce Alexander resolveu testar outra hipótese. Ao invés confinar os ratos em gaiolas minúsculas e solitárias, construiu para eles um parque 200 vezes maior com túneis, perfumes, cores. Mais importante, colocou outros ratos para interação. A experiência ficara conhecida como Rat Park – algo como Ratolândia em português. Para completar a “festa”, os roedores tinham acesso a duas fontes jorrando, incessantemente, água e morfina. Nestas novas condições, que reproduzem muito melhor a vida real, os resultados foram impressionantes. Percebeu-se, entre outros fatos, que os ratos livres consumiam 19 vezes menos psicoativos que seus iguais enjaulados.

Hoje, com avanço da ciência, há um maior entendimento sobre o funcionamento químico cerebral. O jornalista Denis Russo Burgierman, autor do livro O Fim da Guerra, explica como se dá essa relação: ”O centro da questão é um químico chamado dopamina, o principal neurotransmissor do nosso sistema de recompensa. Quando animais sociais ficam isolados e sem estímulos, seus cérebros secam de dopamina. Resultado: um apetite enorme e insaciável pela substância. Drogas – todas elas – têm o poder de aumentar os níveis de dopamina no cérebro, aliviando essa fissura. O nome disso é dependência. Ou seja, não é a droga que causa dependência – é a combinação da droga com uma predisposição. E o único jeito de curar dependência é curar essa predisposição: dando a esse sujeito uma vida melhor, como Bruce Alexander fez com os ratinhos do Rat Park.”

O paralelo com a situação brasileira é evidente. As políticas tradicionais tratam o usuário de drogas como pária a ser afastado do convívio social. Esta posição é radicalizada por autoridades e profissionais de saúde mais conservadores — para quem é preciso internar de forma compulsória os dependentes. Em contrapartida, a nova atitude adotada em São Paulo oferece a eles alojamento digno e ocupação e volta ao convívio social.

Por que são tão fortes e persistentes as teorias retrógradas, mesmo quando descoladas totalmente da realidade? O neurocientista Carl Hart, professor neurocientista da Columbia University, entrevistado recentemente pela New York Times respondeu a essa questão: “Oitenta a 90 por cento das pessoas não são afetadas negativamente pelo uso de drogas, mas, na literatura científica, quase 100 por cento dos relatórios são negativos. Há um foco distorcido em patologia. Nós, os cientistas, sabemos que teremos mais dinheiro, se continuarmos dizendo ao governo que vamos resolver este terrível problema. Temos um papel desonroso na guerra contra as drogas”. Bruce Alexnder e Carl Hart são duas incômodas exceções. Enquanto ao resto, a industria farmacêutica e bélica agradecem o proibicionismo.

Bom, embora o post seja interessante e talvez, a ciência funciona somente se o experimento puder ser repetido. O estudo foi publicado por volta de 1980-até agora, ninguém tentou repetir o experimento? Bem improvável.

Achei um artigo sobre o assunto:
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/9148292?dopt=Abstract. Reproduzo uma parte do resumo (traduzido) aqui:

O papel do ambiente no consumo de morfina açucarada em ratos de laboratório foi investigado em dois estudos. Os resultados de um estudo anterior, indicando que os ratos que estão numa colônia quase-natural bebiam menos morfina açucarada que ratos isolados em grades de laboratório, não pôde ser replicado, pois o consumo pelos animais isolados nos dois presentes estudos foi reduzido(…)

Quando pesquisei também sobre o assunto, vi que não era “morfina” apenas, e sim “morfina adoçada”, pois os ratos, assim como os humanos, costumam preferir coisas doces e a morfina NÃO é agradável ao paladar deles. Já foi provado também que o experimento original tinha erros. Ele serviu de base para outras tentativas, que hoje mostram que um ambiente melhor auxilia no tratamento de várias doenças degenerativas como Parkinson, Alzheimer, e no tratamento de pessoas com dependência…

O texto está pobre em um ponto. O argumento central está fundamentado na premissa de que toda e qualquer internação necessariamente significa confinamento solitário.
Este tipo de internação é cada vez menos utilizada, aceita, e reconhecida. Qualquer pessoa envolvida com recuperação NÃO recomenda isto, e a maioria inclusive afirma que isto é retrocesso.
Grande parte de quem trabalha com recuperação busca e fomenta meios de “reinserção” social, inclusive e principalmente durante o próprio tratamento (seja ele em internação fechada, semi-aberta ou aberta).

Se há uma nova onda de internação com caráter de confinação decorrente destas políticas ridículas que andam circulando nas câmaras de vereadores, eu não tenho conhecimento. Caso exista isto deve ser combatido de todas as formas possíveis. Internação com confinamento não é tratamento.

Sempre defendi a visão de que a “questão das drogas” como um problema social central da nossa sociedade e daí a guerra ás drogas, é basicamente uma cortina de fumaça, que encobre os reais problemas psicossociais. Isto é, a pobreza, o isolamento, o desrespeito e a falta de dignidade com que grande parte da nossa sociedade tem que conviver constantemente.
O experimento traz evidências claras para essa tese.
E também para a tese complementar que é com a socialização, com o respeito e a dignificação dos dependentes que, caso necessário, eles poderão ser recuperados.

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