quarta-feira, 10 de agosto de 2011

CULPA II


TRANFERÊNCIA DE CULPA

No começo do século 17, os habitantes da região italiana da Toscana já estavam se acostumando com as esquisitices de um sujeito chamado Galileu Galilei. Ele era bamba em matemática e física e andava obcecado por entender os mistérios do Universo. Uma passagem curiosa a seu respeito é aquela em que ele subia a torre inclinada de sua cidade natal, Pisa, e ficava jogando coisas de tamanhos e formas diferentes, tentando entender por que e como caíam. Diz a lenda que, após uma dessas experiências, Galileu observava pensativo os restos de um ovo estatelado na calçada da praça dos Milagres quando foi interpelado por uma velhinha que lhe perguntou o que estava fazendo. “Estou tentando entender por que este ovo caiu da torre”, disse ele. “Eu sei por que ele caiu”, emendou a mulher. “Porque você o soltou.”
Essa história engraçada coloca juntas as duas causas que costumam desencadear os fatos da natureza e também da vida humana: a causa que determina e a causa que predispõe. O que determinou a queda do ovo foi a ação da gravidade; o que permitiu que isso acontecesse foi o fato de Galileu ter aberto a mão e soltado o ovo. Da mesma maneira, sempre há uma causa externa e uma causa interna para os fenômenos que acompanham a vida humana. O correto é dar crédito merecido a ambos os fatores, mas nós temos uma imensa tendência a valorizar um e minimizar o outro, de acordo com nossas conveniências. Nossas conquistas costumamos atribuir às nossas virtudes; já nossos fracassos não têm nada a ver com nossos defeitos, e sim com fatos alheios a nós, verdadeiras traições do destino.
Vejamos alguns fatos que ilustram bem essa tendência de autopreservação: um querido amigo chegou com uma hora de atraso a um compromisso que tinha comigo e, após cumprimentar-me, passou a culpar o trânsito por seu atraso, e não sua já conhecida e folclórica despreocupação com os horários e com o tempo dos demais. Certo investidor da Bolsa da Valores, perdeu dinheiro com a dança dos números e imediatamente atribuiu o prejuizo à “mão invisível do mercado” e não a sua análise incorreta das tendências. Quantas vezes nós também somos protagonistas de fatos como esses, culpamos o excesso de trabalho, culpamos a falta de ajuda, culpamos a falta de compreensão, culpamos a intolerância dos outros, a a imcopetência dos auxiliares, a falta de tempo, a correria do dia a dia, etc, etc,… é o mesmo que dizer: “A culpa não é minha. A culpa é de minha vida, e eu não tenho controle sobre ela”. Pode?
Cada pessoa tem seus próprios planos na vida. Para realizá-los, vai executando ações que modificam o mundo a seu favor. Até aí, tudo bem. O problema é que todos fazemos isso e, claro, sempre haverá a possibilidade de que aquilo que alguém faça para atingir seus objetivos entre em conflito com o projeto de outra pessoa. Isso é verdade, mas também não podemos deixar de atribuir a esse pensamento uma carga de transferência de responsabilidade. Em geral nós mesmos criamos nossos problemas e atribuemos a autoria aos outros.
Ninguém está livre de ter esse comportamento transferidor de responsabilidade. O problema é que ele pode se transformar em um padrão. Quem jamais, ou quase nunca, admite ter construído seus insucessos, carrega consigo os sentimentos de frustração, de impotência e de injustiça. Frustração porque vê seus planos falharem. Impotência porque, como não se atribui a culpa, sente-se incapaz de agir sobre seu próprio destino. Injustiça porque não se considera merecedor do infortúnio, uma vez que, em sua opinião, não é ele o autor do mesmo.
A psicologia, que está sempre buscando explicar o comportamento humano, cunhou a expressão “projeção” para explicar essa tendência de transferir responsabilidades que todos temos, em graus variados. E colocou a projeção em um grupo de comportamentos chamados “mecanismos de defesa”.
Quando adultos, não podemos mais simplesmente cair no choro e sapatear quando somos contrariados ou repreendidos. As crianças fazem isso como mecanismo de defesa. Nos adultos, é preciso assumir o comando da propria vida e suas responsabilidades. Entretanto, às vezes o golpe é muito forte, e em geral não estamos assim totalmente estruturado. Nesse caso, projetamos a culpa para fora de nós, isentandonos e, claro, incriminando alguém.
Observamos este diálogo entre o Pai e o Filho de 5 anos, que é pra lá de esclarecedor:
— Pai, sabe aquele carrinho que você me deu ontem?
— Sim, o que tem ele?
— Pois é, pai. Ele quebrou.
— Como assim? Ele se quebrou sozinho? Então ele cometeu suicídio?
— Foi, pai. Bem diante de meus olhos. Foi horrível!
Pense em quantas vezes nós mesmo, como o menino da história, transferiu a responsabilidade até para objetos inanimados. Por exemplo, um jovem, conseguio comprar um carro. E foi fazer o seu primeiro passeio para a praia, pela freeways, o valente carrinho de repente começou a tossir, sacudir-se todo, até que acabou parando. Motivo? Falta de gasolina. Em alguns minutos um carro da polícia encostava do seu lado, e quando o policial perguntou o motivo de estar parado em lugar proibido, ele disse algo como: “Eu não tive culpa. A gasolina acabou”. “Então de quem é a culpa?” Respondeu o policial por trás de seus óculos escuros. A tranferência de culpa neste caso fez três coisas. Primeiro o alívio, a segunda a vergonha e a terceira, prejuízo: levou-o até um posto de serviços para que ele providenciasse o combustível, passou-me uma descompostura por seu ato imprevidente de entrar na freeway sem verificar o combustível e aplicou-lhe uma multa.
Se você deseja ter sua vida sob controle, o preço é a responsabilidade. Transferir a responsabilidade aos outros traz um falso conforto momentâneo. Uma análise mais cuidadosa de qualquer acontecimento negativo em nossa vida sempre vai salientar nossa participação ativa no episódio. Muito mais do que gostaríamos de admitir. Seu namorado a deixou porque ele é um crápula ou porque você não investiu na relação nem em você mesma? O emprego não aparece porque o mercado de trabalho está ruim ou porque seu currículo não ajuda? Você não passou no vestibular porque a concorrência era muito grande ou porque você não estudou o suficiente?
É claro que sempre há, lembre-se, os fatores determinantes e os predisponentes a qualquer acontecimento. Pode ser que um fator determinante esteja fora de você, mas que você ajudou com um ou mais fatores predisponentes. É verdade que o mercado está ruim, mas também é verdade que seu currículo não está ajudando. É real que o vestibular é difícil e concorrido, mas é ainda mais real que você não se preparou o suficiente. Todos sabem que os rapazes são inconstantes, mas todos sabem também que ele não foi estimulado a permanecer na relação com você, pela maneira como você se cuida e pela maneira como você o tratava. Só que ninguém diz nada.
Confesse a seu pedaco, assuma a sua responsabilidade. É o que acontece com todos nós que, mais cedo ou mais tarde, acabamos confessando nossas culpas, culpinhas ou culponas. E não as confessamos, necessariamente, para os outros, mas para Deus, e para nós mesmos, que é o que mais interessa ao nosso crescimento pessoal.

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