sexta-feira, 12 de agosto de 2011

MULHER, GRANDE É A TUA FÉ! Mt 15, 21-28


Eis que por fim, esta mãe sofrida pela sorte da filha, esta mulher estrangeira e pagã, estranha ao povo de Israel, à sua dignidade de povo de Deus e à sua religiosidade, elementos que constituem a identidade e o orgulho dos judeus diante dos outros povos, com sua fé confiante e perseverante, conduz Jesus a superar toda discriminação das pessoas diante da aliança do Senhor, na base da raça, do sexo e da religião.
A cura imediata da filha é a prova visível da potência da fé dos simples de coração e da salvação que vem de Jesus. Assim como, ao contrário, por falta de fé dos seus concidadãos, Jesus tinha experimentado a impossibilidade de realizar algum milagre e cura em Nazaré (Mc 6,5-6).
Com a presença de Jesus, a fé nele constitui a única condição e a verdadeira maneira de participar na herança “dos filhos” de Abraão, e de pertencer ao povo de Deus. Paulo chegará a formular com clareza este eixo central da boa nova de Jesus, na carta aos Gálatas: “Abraão confiou em Deus e isso lhe foi anotado como crédito. Compreendei que filhos de Abraão são os que têm fé. A escritura previa que os pagãos obteriam justiça pela fé, e assim Deus antecipa para Abraão a boa noticia: ‘por ti, todas as nações serão abençoadas’. Assim os que crêem são abençoados com Abraão que teve fé” (Gl 3, 6-9- trad. Bíblia do peregrino).
A fé não somente insere na linhagem espiritual de Abraão, fazendo dos que crêem filhos/as dele, mas os faz “filhos/as de Deus” pela união deles a Cristo, condição que não anula as distinções entre as pessoas, mas supera toda discriminação na única família de Deus. Nesta única família, unida pela mesma fé, se realiza a promessa da fecundidade feita por Deus a Abraão: “Vós todos sois filhos de Deus pela fé em Cristo Jesus, pois, todos vós, que fostes batizados em Cristo, vos vestistes de Cristo. Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher; pois vós sois um só em Cristo Jesus. E se vós sois de Cristo, então sois descendentes de Abraão, herdeiros segundo a promessa” (Gl 3, 26-29).
A visão do apóstolo nos oferece a perfeita realização da profecia de Isaías (Is 56,1.6-7- primeira leitura) sobre a acolhida dos pagãos em Jerusalém, cidade santa de Deus, a incorporação deles no povo de Deus, e a participação até o culto no templo, cume da identidade dos israelitas e seu direito exclusivo. Na pessoa de Jesus o templo se torna “casa de oração para todos os povos” (cf. Mt 21, 13; Jo 2, 19-22), posto que Ele, Jesus, é o verdadeiro o templo vivo.
Talvez não nos surpreenda muito a escassa sensibilidade dos discípulos diante da imploração sofrida da mãe da menina doente, que chega a ponto de pedir para que Jesus simplesmente a e para não mais incomodá-los (Mt 15,23). A mesma atitude eles tinham expressado diante do povo faminto, que estava seguindo e escutando a Jesus havia três dias (cf Mt 14,15).
O que nos toca profundamente, porém, é o silêncio inicial com que Jesus reage ao grito implorante da mulher: “Senhor, filho de Davi, tem piedade de mim: minha filha está cruelmente atormentada por um demônio. Mas Jesus não lhe respondeu palavra alguma” (Mt 15, 22-23). Trata-se do mesmo Jesus que, não só toma cuidado e cura todo doente que o procura, mas que mais de uma vez, toma ele mesmo a iniciativa de curar uma pessoa, sem que ela tivesse até mesmo manifestado algum pedido de socorro! Todo mundo lembra, por exemplo, da cura da mulher encurvada, efetuada na sinagoga em dia de sábado (cf. Lc 13,10-17), ou a cura do homem da mão paralisada, nas mesmas condições (cf. Lc 6,6-9).
O misterioso silêncio inicial de Jesus, com certeza estimula a insistência da mulher. Sobretudo nos deixa vislumbrar o mistério do “tempo oportuno”, preordenado pelo Pai, em vista da plena manifestação da ação de Jesus como Messias e salvador. Aquele tempo que São João chama de a “hora de Jesus”, e que o próprio Jesus espera com ansiedade e determinação, enquanto se identifica com sua paixão, morte e ressurreição.
Por ocasião das núpcias de Caná ele responde com determinação à sua mãe que o solicitava a intervir em prol dos noivos que se encontravam em dificuldade: “Que queres de mim mulher? Minha hora ainda não chegou” (Jo 2, 3-4). A fé confiante de sua mãe, faz com que de fato Jesus “antecipe” a sua hora: “Sua mãe disse aos serventes: “Fazei tudo o que ele vos disser” (2,5). A água transformada em vinho marcou o inicio dos sinais de Jesus, manifestou a sua “glória “e despertou a fé dos discípulos. (cf Jô 2, 11-12).
No encontro de Jesus com a mulher pagã, assim como nas núpcias de Caná, nos deparamos com a mesma pedagogia divina acerca dos tempos de desenvolvimento da semente do reino. Tempos estes que só o Pai conhece. Jesus assume esta mesma pedagogia do Pai e ensina aos discípulos a assumi-la na própria vida. No caminho espiritual, a espera, e até mesmo os atrasos, dizem os Padres da Igreja, aumenta o desejo e faz com que se chegue a encontrar o amado com maior intensidade e alegria.
A capacidade de esperar na fidelidade de Deus e de perseverar na esperança comprova a qualidade da fé e do amor. “Os desejos santos crescem com a demora; mas se diminuem com o adiamento, não são desejos autênticos”, afirma São Gregório Magno (Hom. sobre os evangelhos, 25, 4-5; em Lit das Horas Vol. 3, 1436).
A insistência perseverante na oração filial, à qual nos convida Jesus, não é uma barganha comercial com Deus, com o intuito de dobrá-lo às nossas supostas necessidades ou desejos. É a expressão do amor confiante que alcança o coração do Pai. E Ele providencia o que é melhor para seus filhos e filhas. “Pedi e vos será dado; buscai e vos será aberto; pois todo o que pede recebe; o que busca acha e ao que bate se lhe abrirá... Ora se vós, que sois maus sabeis dar boas coisas aos vossos filhos, quanto mais vosso Pai que está nos céus dará coisas boas aos que lhe pedem” (Mt 7, 7-8.11). Pode-se notar que S. Lucas, em lugar de “coisas boas”, coloca “o Espírito santo”. Isto diz que o Pai nos concede como dom mais precioso o seu próprio Espírito, e com o Espírito a verdadeira relação filial para cumprir sua santa vontade.
O exemplo dos grandes amigos de Deus e potentes intercessores para o povo junto dele, nos abrem o caminho na direção desta atitude interior. Abraão (Gn 18,17-33), Moisés (Ex 32,7-14), e o próprio Jesus, que pela sua submissão ao Pai foi arrancado do poder da morte (cf. Heb 5,7) e agora, glorificado, vive para sempre junto do Pai e intercede por nós (cf. Hebr 7,25). A mulher cananéia, declara Jesus, pertence a esta família de autênticos filhos e filhas de Deus e de potentes intercessores: “Mulher, grande é a tua fé. Seja feito como tu queres!”.

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