terça-feira, 23 de agosto de 2011

MISSÃO – ESSE POÇO NÃO TEM FUNDO. ÁGUA SIM..., E MUITA.

O missionário é um poeta diferente, faz poesia com a vida. O poeta da caneta usa palavras bonitas e bem escolhidas, o missionário, poeta da vida, prefere usar a proximidade e a generosidade, e quando sobram emoções e faltam palavras ele usa aquele sorriso, que mesmo sem falar nada, tem o poder de dizer tudo. O poeta da caneta escreve no papel, o poeta da vida, escreve nos corações, em seus versos talvez falte métrica, mas sobra beleza, porque rimam com esperança. 

Sempre me encantou, a capacidade dos poetas de dizer muita coisa com pouquíssimas palavras. Os missionários, como as palavras do poeta, são poucos, mas fazem toda a diferença, como o sal que dá sabor, e o fermento na massa. Os missionários são poucos, o Bom Deus sabe porque, mas cada um guarda em si um mistério que nos interpela, uma força que ninguém explica, e um sorriso que nos encanta. 

Com 8 anos li minha primeira poesia -"O Pé de Pilão" de Mário Quintana-, 27 anos depois, ainda posso recita-la de memória. Desde então fiquei encantando pela poesia. Lembro-me como me impressionou o tanto de espaço em branco em casa pagina, o poema bem no centro da folha, e ao redor largas margens vazias, que para mim eram um convite à criatividade. Todas as crianças deveriam ser alfabetizadas com livros de poesia, para que como eu, pudessem fazer um desenho para cada poema, ilustrar e colori, interpretando e completando, a seu modo o trabalho do poeta. 

Mais ou menos assim são os testemunhos missionários, eles contrastam e revelam os espaços vazios que contornam nossa vida. Lacunas que uma vez desvendadas, não nos permitem mais ficar indiferentes, somos invadidos pelo anseio de preenchê-las. O testemunho missionário incomoda, ou melhor, desacomoda, nos impulsiona a fazer algo significativo. Assim como, as vastas margens vazias, de um livro de poesia, desafiam um guri de 8 anos, fazer um belo desejo, a poesia da vida, nos empenhora os ardentes desejos de ser mais gente. 

Um dos maiores idiotas que conheci é o Pe. Fabiano Dalcin. (Idiota = ideo + ota – Nascido / movido por uma ideia / ideal, capaz de fazer algo que outros não fariam). Esse idiota, nos melhores anos de sua vida e do seu ministério, no auge de suas energias, deixa seu povo, sua terra, enfim tudo que aprendeu a amar. Percorre imensas distâncias físicas e culturais. Sofre a saudade, o isolamento, a malária e a fome. Sofre por e com, um povo dilacerado em sua dignidade, usurpado em seus direitos, espoliado de suas riquezas. Sente na própria carne o espinho da indiferença e a dor da impotência. Um idiota plenamente humano, com virtudes, talentos e fraquezas. Idiotas como ele, são o Evangelho com pernas, a caminho rumo aos preferidos de Deus. 

Com esse idiota, e através dele, embarcamos na missão. Sentimos nele a prolongação da nossa missão e a realização de nossa vocação missionária. Com poderíamos sorrir para nossos irmãos de Moçambique, se não fosse pelo seu rosto, como poderíamos falar-lhes senão pela sua vós, como poderíamos tomar seus filhos em nossos braços se não pelos braços dele. Como o povo Macua saberia que os amamos se o Pe. Fabiano não estivesse lá para partilhar de suas vidas, conhecendo seus sonhos e suas dores. Que outra maneira tem para que o outro se sinta amado, se não estivermos lá, à distância de um aperto de mão, de um sorriso, ou quem sabe de duas laranjas e um pouco de açúcar que trocam de mãos. 

Estribando-me nas palavras do poeta Antônio Augusto Ferreira: 

Taí o poço. 
Quem vier em rota de sede 
Faça a viagem do balde: 
Vai salgar a boca. 

Viagem do balde: quando vazio é de descida, de busca, quando cheio a viagem é de generosa partilha da água fresca, aquela que mata toda a sede. O balde faz a viagem, para que os outros se saciem de água. A sede do missionário só aumenta, quando mais se bebe dessa água mais salga a própria boca.

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