terça-feira, 20 de setembro de 2011

O MODELO MINNESOTA

É uma tentativa de integrar várias técnicas psicológicas com a proposta dos Doze Passos. Trata-se de um modelo multidisciplinar, que utiliza profissionais de diversas áreas bem como "conselheiros leigos", e visa, sobretudo, a integração dessas diferentes abordagens num clima de humildade.

O processo, baseado no conceito de dependência química como um fenômeno bio-psico-sócio-espiritual, é ancorado numa dinâmica essencialmente grupal na qual os residentes compartilham entre si suas histórias e dificuldades, aprendendo a identificar suas emoções, valores e atitudes antes distorcidos pela droga.

A partir daí, aprendem um novo estilo de vida, livre das drogas. O essencial aqui é que, num clima amoroso, de aceitação mútua, descobrem que não estão sozinhos, que outros já passaram por sofrimentos semelhantes e hoje estão vivendo a vida de forma integral, com suas dificuldades inerentes, sem drogas. O Modelo Minnesota transforma os saberes em ajuda àquele que sofre, num clima de humildade, solidariedade e compartilhamento.

Na década de 50, nos Estados Unidos, existia um índice de alcoolismo muito grande e o modelo de saúde tradicional (psiquiatria e/ou psicanálise) não estava sendo eficaz. Realizavam muitas tentativas de internação, tratamentos e desintoxicação, mas a pessoa saía, recaía e voltava. Paralelamente, em Minnesota, havia um pequeno grupo de alcoólatras em recuperação, que já estava em abstinência. Todos eles se conheciam e conheciam os médicos que lá estavam, desesperançados. Os profissionais de saúde então, começaram a abrir a mente para aprender com esses "leigos" da medicina, mas certamente não do alcoolismo e nem da recuperação, como era essa história de ser dependente e como conseguir parar, pois no hospital as pessoas não conseguiam. Elas paravam apenas enquanto estavam internadas, quando saíam bebiam outra vez.

Nas reuniões de A.A., eles abriam a mente para conhecer as pessoas e entender esse processo. A "ciência" ficou meio abalada, mas ao mesmo tempo curiosa, pois estavam vendo, inegavelmente, que aquela proposta estava funcionando.

Foram chamados alguns alcoólatras em recuperação, que já estavam em abstinência há mais tempo para o Hospital em Minnesota, onde 80% dos pacientes tinham diagnóstico de alcoolismo. Este hospital foi o pioneiro no desenvolvimento do que veio a ser chamado "Modelo Minnesota". A equipe de profissionais começaram a aprender com eles (alcoólatras em recuperação) como era esse processo de parar de usar a substância e ao mesmo tempo ficar tranqüilo e curtir a vida com todas as suas dificuldades naturais. A maioria estava bem, interagindo com as pessoas, readaptada à vida, à sociedade. Não era aquela história de parar e ficar de mau humor ("porre seco"), mas sim, de mudar de estilo de vida.

A equipe se propõe a aprender com eles, e mais ainda, há um treinamento em que os alcoólatras em recuperação aprendem algumas técnicas com os profissionais também (há uma troca), e se tornam "conselheiros em dependência química" – isso não existia ainda. Surge uma comunidade terapêutica, um ambiente em que tudo objetivava facilitar a conscientização daquele dependente químico e da sua situação, da sua história de vida, facilitando a aceitação dessa disfunção, que seria crônica, primária e progressiva. Também identificam a importância da aceitação da idéia da abstinência e da reformulação de estilo de vida resultando na possibilidade de curtir o "barato" da vida sem drogas. Eram propostas diversas atividades, consultas individuais, terapia de grupo, diversas dinâmicas e palestras. Com o tempo as equipes chegaram à conclusão de que o elemento mais forte dessa abordagem eram exatamente os grupos informais de dependentes químicos. Os residentes se juntavam, falavam de suas histórias e trocavam experiências com aqueles de mais tempo em abstinentes, descobrindo maneiras de permanecerem "limpos", a verdadeira terapia acontecia quando a equipe de terapia ia para casa.

A grande novidade era a humildade para aceitar que, se por um lado existia uma limitação crônica, por outro havia a possibilidade da conquista de uma nova liberdade. Paradoxalmente, aceitar a limitação também abre para outras dimensões. Aqui o mito do autocontrole, da auto-suficiência da cultura hedonista e individualista é questionado. Nessa nova proposta, a pessoa se capacita a desenvolver todas as áreas da sua vida que estavam aprisionadas, por conta da perda de controle com as drogas, através de trocas solidárias, de ajuda mútua.

Gostaria de salientar que esta aprendizagem exige humildade, mente aberta de todos, tanto do profissional, como dos alcoólatras em recuperação (que eram conselheiros) e dos clientes. Havia um clima de camaradagem, do uso de primeiro nome, uma aproximação muito grande entre todos, um clima de família. Esse clima era altamente terapêutico. Então, basicamente, o que ocorria era uma aprendizagem por conta da experiência. Até existiam palestras sobre alcoolismo, mas na verdade, o resultado se dava devido aos relacionamentos no cotidiano, através dos exemplos, não das teorias.

Se um agia de determinada forma, o outro dizia: "você não acha que está meio nervoso?" Aí, ele olhava para um que estava lá há mais tempo, "zen", tranqüilo e observava, pois queria ficar daquele jeito. Ou seja, isso vem de uma sabedoria milenar. Aprendemos pela vivência, com o exemplo dos outros, que na verdade é o trabalho que os grupos do A.A. e N.A. fazem. Houve esse encontro de vários saberes, que logicamente, com o tempo começou a ser mais complexo, por exemplo, o modelo se estendeu para a dependência de outras substâncias psicoativas além do álcool, incluindo as ilegais e legais (como os fármacos), além da inclusão de comorbidades. Alguns casos de dependência química precisavam de medicação, principalmente durante a síndrome de abstinência. Eram usados todos os serviços (médicos, psicólogos, assistentes sociais, conselheiros, enfermeiros, etc.), mas o mais interessante é que todos (incluindo cozinheiros, pessoal da limpeza e administração) que trabalhavam nessas mini-comunidades acreditavam nesse estilo de vida altamente espiritualizado. Não a espiritualidade estando lá e eu aqui, mas sim, ela sendo vivida no cotidiano, na troca.

Se a patologia é fundada na relação disfuncional do indivíduo com a droga, a recuperação é aprender a se relacionar com o outro de uma forma amorosa, ela se dá na relação, é por isso que o grupo é importante. As pessoas se identificam e vêem que um não é tão diferente do outro. A culpa, a vergonha, o sentimento de excepcionalidade que existia antes, vai se reduzindo, pois são todos dependentes químicos, e muitos já parados há algum tempo. Todos são agradecidos aos que dividem suas histórias e que dão o exemplo de si mesmos.

Um novo sentimento de perdoar-se e aceitar-se começa a espalhar e circular. É como se o coração...estivesse aumentando sua influência. Aspectos sombrios da personalidade continuam com seu peso negativo, mas agora dentro de um contexto de uma "estória" mais ampla, o mito de si mesmo, e o começo de um sentimento de que eu sou, como eu devo ser. Meu mito transforma-se em minha verdade; minha vida torna-se simbólica e alegórica. Perdoar-se, aceitar-se, amar-se e mais, perceber-se como pecador, mas sem culpa; agradecido por seus pecados e não pelos pecados dos outros, amando seu destino até o ponto de sempre estar desejando ser como é e manter esse relacionamento consigo mesmo, e com os outros.

Creio que este modelo, acima de tudo, respeita a visão integral do ser humano como ser bio-psico-sócio-espiritual, enfatizando o sócio-espiritual tão esquecido em nossa sociedade individualista e materialista. Para terminar, independentemente da abordagem terapêutica adotada, creio que qualquer psicólogo concordaria com as metas contidas na sábia "Oração da Serenidade": Concedei-nos Senhor a serenidade necessária para aceitar as coisas que não podemos modificar, coragem para modificar aquelas que podemos e sabedoria para distinguir umas das outras.

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